Há 30 anos: como a rua Azambuja deixou de ser o maior centro comercial de Brusque
Comércio local começou a se deslocar para outros pontos da cidade a partir de 1995
Comércio local começou a se deslocar para outros pontos da cidade a partir de 1995
Por anos, a rua Azambuja foi reconhecida como o maior centro comercial a céu aberto do Sul do Brasil, consolidando Brusque como a capital da pronta-entrega. Contudo, seu auge ficou restrito às memórias dos moradores, pois, por volta de 1995, as lojas começaram a fechar, o movimento de compradores diminuiu e, gradualmente, a efervescência comercial da região se transformou em uma mera recordação.
O declínio teve início em meados de 1995, mas a trajetória da Azambuja no setor têxtil começou bem antes.
O comércio na rua Azambuja deu seus primeiros passos por volta de 1986, quando muitos moradores, utilizando os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) liberados pelo governo para auxiliar as vítimas da grande enchente de 1984, decidiram empreender.
Pequenas confecções surgiram de maneira improvisada dentro das casas e rapidamente ganharam notoriedade.
A expansão comercial se intensificou a partir de 1989. Nesse ano, cerca de 100 lojas já funcionavam na Azambuja, atraindo compradores de diversas partes do Sul do Brasil.
A rua se tornou um símbolo de oportunidade para muitos que desejavam mudar de vida e ter o próprio negócio. Com o passar dos anos, a quantidade de estabelecimentos comerciais se multiplicou, ultrapassando a marca de mil lojas no auge de sua movimentação.
Ônibus de excursão chegavam incessantemente, com registros de até 80 veículos estacionados simultaneamente, repletos de compradores ansiosos por novidades.
O empresário Sílvio César Gonçalves, por exemplo, abriu sua primeira loja, a Liberty Camisaria, em janeiro de 1992, em um momento de grande ascensão do comércio local. O sucesso foi tanto que, em pouco tempo, ele precisou expandir, chegando a manter três lojas na mesma rua para atender à crescente demanda.
“Nos primeiros anos, eu buscava mercadorias em São Paulo. Houve uma semana em que precisei viajar três vezes para repor os estoques”, relembra.
No entanto, à medida que a rua Azambuja se consolidava como um polo comercial, também surgiam desafios estruturais. O crescimento acelerado não foi acompanhado por investimentos em infraestrutura, o que gerou dificuldades tanto para comerciantes quanto para clientes.
“A falta de locais adequados para alimentação, banheiros e estacionamento gerava transtornos. O descumprimento do Plano Diretor levou à construção irregular de estabelecimentos sobre valas, o que agravava os alagamentos durante períodos chuvosos, comprometendo estoques e prejudicando as vendas”, pontua Sílvio.
Ezaulino Roux Neto, diretor da Confecções Roux, é outro dos poucos empresários que ainda mantêm seu comércio na rua. A empresa foi fundada em 1958 por seus avós, Ezaulino Roux e Magdalena Lana Roux, e nunca mudou de endereço: rua Padre Lux, 175.
Diante da queda no movimento, a Confecções Roux precisou se reinventar para se manter ativa. Ezaulino explica que a empresa apostou em novos canais de venda.
“Entre eles destaco a Pronegócio, os representantes comerciais, o e-commerce e investimentos em marketing, já que, no auge da rua Azambuja, 100% da nossa produção era voltada exclusivamente para vendas a pronta entrega na loja de fábrica”, explica.
Sobre nunca ter saído da rua, o empresário conta que a empresa foi pioneira na confecção da região. Com uma marca muito conhecida e a qualidade dos produtos, aliada a preços atrativos, conseguiram manter uma clientela fiel.
“Mesmo frequentando os centros comerciais às margens da rodovia, muitos clientes atravessam a cidade para comprar conosco e revender em suas lojas”, acrescenta.
Além dos problemas estruturais, a falta de planejamento na expansão do comércio trouxe outras complicações. O aumento da insegurança, com furtos e roubos frequentes, somado à chegada de empresários despreparados, movidos apenas pelo lucro imediato, comprometeu a credibilidade do comércio local, acelerando a mudança do cenário econômico da rua Azambuja.
De fato, os fatores externos influenciaram a queda do polo comercial. A abertura econômica promovida pelo governo Collor e a introdução do Plano Real, em 1994, alteraram significativamente o mercado.
Em 1995, um grande número de lojas fechou as portas, incapazes de enfrentar as mudanças econômicas. “Foram momentos difíceis, uma verdadeira quebradeira. Poucos conseguiram superar essa fase”, relata Sílvio.
Paralelamente ao declínio da rua Azambuja, a rodovia Antônio Heil começou a despontar como um novo polo da pronta-entrega. A inauguração da Feira Industrial Permanente (FIP) em 1991, com cerca de 100 lojas, marcou o início dessa transição.
A ideia partiu de Osmar Crespi, que desejava criar um espaço estruturado para que as confecções pudessem expor e vender seus produtos o ano inteiro. Ao contrário da Azambuja, a FIP oferecia um ambiente mais organizado e confortável para os compradores, o que impulsionou sua ascensão.
Para Ezaulino, a chegada dos centros comerciais ao longo da rodovia trouxe mais praticidade para os guias de excursão, permitindo que seus passageiros realizassem todas as compras em um único local.
“Os centros comerciais também ofereceram benefícios e melhor estrutura para os guias e motoristas de excursões. Por exemplo, o guia passou a receber sua comissão em uma central, sem correr o risco de tê-la sonegada, como eventualmente acontecia no comércio espalhado pela rua Azambuja”, destaca.
Nos anos seguintes, o setor de pronta-entrega ficou dividido entre os dois centros comerciais. Muitos empresários mantinham lojas tanto na rua Azambuja quanto na rodovia Antônio Heil, mas a falta de cooperação entre os núcleos prejudicou ainda mais a rua Azambuja, que perdeu espaço para a nova concorrência.
Conforme a crise se agravava, diversas lojas migraram para outros pontos da cidade, incluindo a FIP e a região onde hoje está o Centro Administrativo da Havan.
“Houve uma migração natural. A mão de obra não ficou desamparada, pois foi absorvida pelas empresas que surgiram em outros locais”, afirma Sílvio.
Em 1997, a Associação das Indústrias e Comércio da Rua Azambuja (AICA), que representava os interesses dos lojistas da região, foi incorporada à Federação das Associações de Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina (Fampesc) e passou a se chamar Associação das Micro e Pequenas Empresas de Brusque (Ampebr), marcando o fim oficial do ciclo de grande prosperidade da rua Azambuja.
Hoje, restam apenas memórias do período em que a rua Azambuja era o coração da pronta-entrega em Brusque. Apesar de sua importância histórica, a região ainda carece de investimentos em infraestrutura.
“A história comercial de Brusque começou aqui, e a cidade se projetou nacionalmente por conta disso. Espero que, no futuro, as autoridades valorizem mais a rua Azambuja e seu legado”, conclui Sílvio Gonçalves.
Kai-Fáh: Luciano Hang foi dono de bar em Brusque, onde conheceu sua esposa: