Haitianos encontram oportunidades em Brusque com auxílio de professora voluntária
Anelede Feuzer se disponibilizou, há quase três anos, a ensinar português aos imigrantes
Anelede Feuzer se disponibilizou, há quase três anos, a ensinar português aos imigrantes
Viver no Haiti após o terremoto que devastou o país, em 2010, tornou-se muito difícil. Por este motivo, muitos haitianos imigraram para outros países em busca de uma nova oportunidade de vida. Hendy Bernard, 26 anos, escolheu o Brasil para lutar por um futuro melhor.
No Haiti, ele morava com os pais e trabalhava como auxiliar de professor em uma escola. Porém, com a tragédia, o educandário ficou completamente destruído. Ele perdeu o emprego e, como muitas empresas fecharam, não havia novas oportunidades de trabalho. Um amigo, que já estava em Brusque, convidou para morarem juntos e, em 24 de maio de 2015, Bernard chegou ao Brasil.
A mudança de país foi muito difícil. Primeiro os pais ficaram preocupados por ficarem tão distantes. Depois, na chegada ao Brasil, o haitiano ficou completamente perdido por não entender absolutamente nada da língua portuguesa. “Eu queria muito aprender a falar o português, porque meu objetivo sempre foi estudar para ter um futuro melhor”, diz.
Em Brusque, Bernard recebeu muita ajuda dos vizinhos com as coisas básicas, como colocar crédito no celular. “Me preocupei em aprender primeiro o bom dia, boa tarde e boa noite, porque acho que isso é prioridade em qualquer país saber: cumprimentar as pessoas”, conta.
Um mês em Brusque, o haitiano conseguiu um emprego de operador de máquina na empresa Irmãos Fischer, onde permanece até hoje. E, pouco tempo depois, encontrou a professora Anelede Feuzer, 53, que ministra aulas de português, voluntariamente, para os haitianos, em uma sala de aula improvisada no piso superior da Igreja Assembleia de Deus Madureira, no bairro Santa Terezinha.
“Só tenho a agradecer a professora que sempre está ao nosso lado. Não somente eu, mas todos nós ficamos muito felizes com ela. Só Deus para pagar pelo trabalho e coragem em todas as coisas que faz por nós”, agradece.
Em poucos meses de muita dedicação ao estudo da língua portuguesa, Bernard já conseguia se comunicar com facilidade. E, determinado, em 2016, ingressou no curso de Engenharia de Produção, na Uniasselvi/Assevim. “Já estou na 3ª fase e, a cada dia, aprendo mais sobre a profissão e me apaixono cada vez mais”, conta.
O objetivo agora do haitiano é concluir a faculdade, mas a princípio, não tem intenção de voltar para seu país. “Gosto muito daqui. Brusque é uma cidade diferenciada, as pessoas são muito acolhedoras. Quando cheguei já fiquei impressionado, cidade bem tranquila. Eu adoro Brusque”, elogia.
Há quase três anos, a empresária Marilande Feuzer Darós começou a receber diversos imigrantes haitianos em busca de emprego. Porém, a maior dificuldade encontrada foi em conseguir se comunicar com eles. Por isso, ela procurou a irmã, a arte educadora Anelede Feuzer, e pediu ajuda para ensiná-los a falar português.
A professora então pensou em como poderia se organizar para ajudar os haitianos e, no primeiro momento, se dispôs a lecionar aos sábados à tarde. Algum tempo depois, as aulas passaram a acontecer nas quintas-feiras à noite.
Anelede conta que já chegou a ter pouco mais de 30 alunos na sala, mas como reduziu bastante o número de haitianos na cidade, que imigraram para o Chile, a quantidade de alunos também diminuiu. “Criamos um vínculo muito legal e conversamos pelo WhatsApp com esses que foram embora”.
Para Anelede, não houve grande dificuldade em conversar com os haitianos, pois já havia feito um curso de francês quando visitou a França. “Me encorajei e encarei esse desafio, que me alegra e me traz uma satisfação impagável até hoje. Eles são pessoas muito educadas e de uma cultura incrível. Merecem nossa atenção e ajuda, pois querem apenas uma oportunidade de melhorar a qualidade de vida”.
Atualmente, entre 18 a 22 alunos participam das aulas semanais. Alguns destes estão desde o começo. Muitos já falam fluentemente o português e tiveram boas oportunidades de emprego, como em escolas de idiomas, em indústrias e em universidade, como no caso de Bernard.
O método utilizado por Anelede é simples: ensino dos verbos, conjugação dos mais usados, regras de separação, leituras, tradução de textos e conversação. Semanalmente são 2 horas de aula em que participam, desde bebês de colo até adultos.
“Em 25 anos de magistério, foi ali, nessas aulas voluntárias, que me senti professora de verdade. Na atual conjuntura que nos encontramos, estar na sala de aula com alunos que querem realmente aprender é incrível. Me sinto valorizada, mesmo sendo um trabalho voluntário”, emociona-se.
Certificados de qualificação
Com as aulas de português, Anelede já disponibilizou diversos documentos que qualificam o aluno na língua portuguesa. Ou seja, muitos necessitam do documento para apresentar na empresa comprovando que já se comunicam de maneira compreensível.
“Eu já liberei esse documento, inclusive, para um médico cubano. Ele já falava português compreensível, pois a mãe dele era brasileira”, lembra. Um árabe também foi aluno de Anelede.
A criação de uma associação dos haitianos é o grande desejo dos imigrantes de Brusque. Anelede, que os acompanha em cada etapa, conta que questões jurídicas já foram resolvidas e agora, por meio de reuniões, organizam a implantação da entidade.
“A intenção é alugar um local para ser a sede, mais próximo ao Centro e, assim, ter a sala de aula mais centralizada para receber mais alunos. No primeiro momento se estuda ficar em uma igreja”, conta a professora.
Com a associação, os imigrantes pretendem oferecer aulas de inglês, francês e espanhol, gratuitamente, em troca de cultura. Aulas de canto e música também devem ser disponibilizadas.
“Com o tempo tudo deverá ser organizado para dividir a cultura. Eles são muito gratos pelo que os brusquenses fizeram por eles e querem retribuir dessa maneira. Além do mais, uma associação ajudará os novos imigrantes que chegarem. Será uma referência”.
Doações
Anelede lembra que no início, para conseguir estruturar a sala, precisou da contribuição de muitas pessoas. “Além de me disponibilizar como professora voluntária, eu me dispus a correr atrás dos objetos e materiais. Consegui 20 mesas e 20 cadeiras de doação, livros de português, lápis e quadro branco”.
Porém, ela diz que precisa de mais ajuda. O desejo com a associação é conseguir uma estrutura melhor, como uma sala com computadores, biblioteca, materiais para as aulas e livros didáticos. “Já busquei ajuda na Aliança Francesa, em Florianópolis, para conseguir dicionários de francês, mas não me ajudaram com nada”.
Para a professora, a ajuda da comunidade é muito importante, afinal, os imigrantes fazem parte da sociedade, inclusive muitos já tem filhos brusquenses. “Eles só querem uma oportunidade de vida melhor. As mulheres haitianas encontram muita dificuldade. Por isso, é importante que os empresários e poder público se sensibilizem para ajudar essas pessoas”, solicita.