João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

A morte de um inocente

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

A morte de um inocente

João José Leal

A morte de Cleriston Pereira da Cunha na penitenciária da Papuda é um grave fato político e judiciário que precisa ser investigado com o maior rigor. E o ministro Alexandre de Morares, que decretou a prisão preventiva desse inocente preso e se omitiu em conceder-lhe a liberdade para tratar de sua doença, deve ser o alvo dessa investigação. Digo inocente preso porque o STF não tem se cansado de proclamar que todo acusado, mesmo aquele já condenado em segunda instância, é considerado inocente até o trânsito em julgado da ação.

A responsabilidade por essa triste morte se torna tanto mais grave quando se sabe que Cleriston foi preso, juntamente com mais outros 1.200 cidadãos brasileiros porque teriam protestado, invadido e depredado prédios públicos da capital da República. É possível que até quisessem que as forças armadas praticassem um golpe de Estado. Mas, há séculos, o Direito Penal das modernas democracias e o nosso Código Penal assim prescreve, deixaram de punir a intenção ou o mero desejo por mais perverso que seja.

No entanto, o ministro Moraes criou a narrativa de que os manifestantes do 8 de janeiro cometeram os crimes de associação criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Em consequência, decretou-lhes a prisão preventiva às centenas, coisa jamais vista na história política e judiciária desta nação. Nenhum delegado de polícia prendeu em tão pouco tempo tanto bandido neste país. E o ministro prendeu mais de um milhar de cidadãos.

Ora, o ministro Moraes sabe muito bem que é impossível tentar, muito menos, promover um golpe de Estado sem armas nas mãos. Um exame isento do fato ocorrido mostra claramente que os manifestantes não estavam armados com nenhum revólver, nenhum fuzil, nenhuma metralhadora, muito menos um canhão sequer. Um olhar atento e imparcial das ações praticadas deixa evidente que não houve qualquer tentativa de proclamação de um novo governo. Ao contrário, o governante recém-eleito assistiu de camarote aos atos de depredação e de vandalismo.

Portanto, imputar aos manifestantes o grave crime de abolição violenta do Estado democrático é uma decisão arbitrária que não corresponde à lei e aos princípios penais do Estado Democrático. Parece que, de tanto caçar e reprimir autores de fake news pela internet, o ministro Moraes criou a narrativa de golpe de Estado e passou a divulgá-la por todos os canais de comunicação.

Durante o regime militar, em nome da Segurança Nacional, os órgãos de repressão rotulavam as pessoas de subversivas para aplicar-lhes os rigores da lei. Neste novo tempo de chumbo, infelizmente, sem um novo Sobral Pinto para bater às portas do STF e proclamar a inocência de seus clientes presos, é a própria Corte que, em nome do Estado Democrático, rotula centenas de pessoas de golpistas para aplicar-lhes um tratamento penal de crueldade penitenciária.

Se tivéssemos um Parlamento independente, cônscio do seu poder institucional, já teríamos uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita para dar a esses infelizes acusados a justiça e a liberdade que merecem e colocar a suprema corte no devido quintal da sua competência constitucional.

E o ministro-xerife das mais de mil e uma prisões já estaria sendo investigado e responsabilizado pela anunciada morte de um acusado doente com risco de vida, ao qual lhe recusou impiedosamente o direito de se tratar num hospital ou em casa, em paz, acompanhado dos familiares.

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