João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Gripe espanhola em Brusque

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Gripe espanhola em Brusque

João José Leal

Brusque, junho 2020, 134 mil habitantes (97% na zona urbana). Covid-19: 214 infectados, mortes: 0, em 90 dias.

Brusque, janeiro 1919, 16 mil habitantes (30% no centro urbano). Gripe espanhola: centenas de infectados, mortes: 22, em 60 dias.

Novembro de 1918. A Primeira Guerra Mundial chegava ao seu final, com a derrota da Alemanha. No entanto, outra notícia preocupava seriamente os brusquenses. Informações vindas de Itajaí davam conta de que a perigosa gripe espanhola já estava por lá. Um jornal noticiara que a peste tinha se transformado numa terrível epidemia para “atacar famílias inteiras da nossa cidade”. Todo o comércio estava paralisado. Os infectados ferviam de febre. A cidade de Itajaí, escreveu o jornal, parecia “uma necrópole”.

A preocupação dos brusquenses era mais do que justificada. E o vírus logo aqui chegou para semear e colher a sua sinistra safra de sofrimento, doença e morte. Como vinha ocorrendo pelo mundo a fora daquela época, Brusque teria que pagar a sua triste e dolorosa conta em vidas humanas. Quantos mortos e quantos infectados? Ao certo, não saberemos jamais. Documento oficial ou particular não encontrei.

Da Gazeta Brusquense, que poderia ter noticiado sobre a epidemia, não existe nenhum exemplar. No entanto, encontrei uma importante fonte de consulta livre no portal eletrônico FamilySearch, extraordinário serviço de informação histórica prestado pela Igreja Mórmon. Então, consultei o livro do registro de óbitos da igreja católica.

Verifiquei que, no dia 26 de novembro de 1918, José Wust teria sido a primeira vítima da gripe espanhola, em Brusque. No seu registro de óbito, o padre Guilherme, vigário da paróquia, anotou à margem que a causa da morte tinha sido “grippe”. A partir desse dia, a epidemia se espalhou pela cidade.

Durante 60 dias, a terrível doença contagiou algumas centenas de pessoas e sua febre asfixiante ceifou a vida de 22 brusquenses, número que certamente foi maior porque se refere apenas aos católicos. Dor e sofrimentos profundos, tristeza e medo sem tamanho devem ter abalado a têmpera de coragem e confiança que forjou a história de vida do povo brusquense. A doença, da forma mais dolorosa, escolhia as crianças para serem a maioria das vítimas da tragédia. Não foram poucos os pais a amargar a dor de levar seus filhos à sepultura.

No final de janeiro de 1919, terminam os registros com a anotação “Grippe”. Assim, tudo indica que, em dois meses, a gripe espanhola teria cumprido a sua terrível missão apocalíptica de castigar o povo brusquense com doença e a morte de 22 pessoas.
Depois desse tempo apocalíptico, mesmo sem remédio nem vacina, o vírus parecia já não contagiar nem causar a morte. Mas, por muito tempo, a dor e o sofrimento continuaram assombrando o pensamento dos brusquenses.

Agora, neste tempo de Covid-19 e afastamento social, parece que voltamos ao final de 1918. Mesmo sem nenhuma morte, vivemos assustados, mascarados, desviando uns dos outros, com medo o inimigo invisível.

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