Justiça de Brusque tem quase 50 mil processos em tramitação
Não há expectativa de redução a curto prazo; direção do Fórum e OAB pedem mais servidores e varas
Não há expectativa de redução a curto prazo; direção do Fórum e OAB pedem mais servidores e varas
Em dezembro de 2017, o poder Judiciário de Brusque acumulava 48,1 mil processos aguardando solução, divididos entre as seis varas do município. Cada uma delas tem apenas um juiz responsável por elaborar as sentenças, o que daria uma média de 8.016 ações pendentes por magistrado.
O Juizado Especial Cível e Criminal, por exemplo, fechou o ano de 2008 com 2,9 mil processos em andamento. Dez anos depois, são 7,2 mil, um aumento de 148%.
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O número de processos que um juiz pode julgar por ano, por sua vez, é limitado: no ano passado, quando restaram 7,2 mil processos em tramitação, a juíza da Vara julgou 3,5 mil.
Trata-se da maior produtividade entre os magistrados da Comarca, e ainda assim insuficiente para fazer frente à demanda crescente de processos.
A situação do Juizado Especial Cível e Criminal é semelhante a das outras cinco unidades do Judiciário brusquense.
Na maior parte delas o número de processos pendentes dobrou na última década. A situação de maior acúmulo de processos não sentenciados é na Vara da Fazenda Pública e dos Registros Públicos.
Trata-se de uma unidade com competência bastante ampla, pois julga, por exemplo, ações em que a administração pública municipal e estadual está envolvida.
No fim do ano passado, havia 16,3 mil processos aguardando julgamento, tarefa que está a cargo de uma única juíza e, eventualmente, de um juiz substituto.
O número é mais do que o dobro do que havia em 2011, ano em que a Vara fechou com 7,4 mil processos aguardando julgamento, um crescimento de 120%.
Será difícil reduzir essa quantia, tendo em vista que a média de casos julgados por ano, na Vara, tem sido de cerca de 1,6 mil, considerando-se a quantidade de processos sentenciados nos últimos cinco anos.
Todos esses números, fornecidos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), a pedido de O Município, revelam a sobrecarga pela qual passa o Judiciário no Brasil.
Com o grande número de processos pendentes, a tramitação de ações passa a demorar cada vez mais, e uma solução para dar mais celeridade à tramitação dos processos ainda está distante.
A juíza Iolanda Volkmann, diretora do Fórum de Brusque e titular da Vara da Fazenda Pública, em entrevista concedida por e-mail, avalia que o número crescente de processos judiciais tem sido observado desde a Constituição de 1988, “em proporção tal que os órgãos judiciais não conseguiram se preparar”.
“Apesar da digitalização dos processos e da disponibilização de ferramentas tecnológicas aos servidores do Judiciário, a demanda ainda é maior do que a capacidade humana pode absorver”, afirma a magistrada.
A juíza diz que, no Brasil, predomina uma “cultura de litigiosidade”, ou seja, as pessoas preferem o conflito judicial ao acordo extrajudicial, e que isso tem sido causa do crescente número de novas ações judiciais.
Segundo a diretora do Fórum, apesar do sistema adotado pelo Judiciário Catarinense ser o do processo digital, ele ainda requer muitos atos manuais para funcionar. Faltam, portanto, funcionários para dar mais agilidade aos trâmites.
Além das novas vagas, é preciso ainda repor o quadro de servidores que se aposentaram ou foram exonerados.
O Tribunal de Justiça está com edital aberto para prover 26 vagas para diversos cargos. Paralelamente a isso, a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei que trata da criação de novos cargos de assessores com lotação nos gabinetes dos juízes que atuam nas comarcas do estado.
“O aumento e a qualificação da equipe da assessoria é medida valiosa para maior celeridade processual, mas, para enfrentar o grande acervo, também o aumento do número de juízes se faz necessário”, afirma a juíza Iolanda.
O presidente da subseção de Brusque da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Renato Munhoz, também considera necessários mais servidores.
Munhoz solicita a reposição de servidores em todas as varas, de maneira contínua, em relação aos que se aposentam ou são transferidos. Para ele, também é necessária a contratação de pelo menos mais dois servidores por vara.
O Judiciário catarinense, segundo a diretora do Fórum de Brusque, acredita que não há mais nada que possa ser feito para melhorar a celeridade da tramitação de processos.
“Acredita-se que todas as medidas de otimização – organização do fluxo digital, treinamento e especialização da equipe, atribuição de tarefas de acordo com o perfil do assessor, adoção de modelos-padrão – já estão sendo tomadas, de modo que a capacidade da estrutura humana e tecnológica atualmente existente está sendo totalmente explorada”, diz a magistrada.
Ela diz que todas as varas têm empreendido “os seus melhores esforços para alcançar o mais alto grau de rendimento, resultando em mapas de alta produtividade”.
Ressalta que o cidadão, no aguardo do desfecho de seu processo, não consegue perceber esse esforço, fora do contexto geral.
Para o presidente da subseção de Brusque da OAB, a demanda poderia ser melhor administrada se houvesse mais varas em Brusque.
O pedido de duas novas varas cíveis é feito há mais de dez anos pelos advogados, sem que tenha sido atendido. Recentemente, a presidência do Tribunal de Justiça foi novamente cobrada a respeito, e informou que não há previsão de atendê-lo.
Isso causa preocupação à OAB, cujo presidente afirma que a falta de novas varas contribui com a morosidade do Judiciário local.
Como forma de reduzir a demanda, ele sugere que sejam lotados dois ou três juízes substitutos até que haja a instalação de novas varas, ou pelo menos de um juiz substituto respondendo exclusivamente pela comarca de Brusque.
A sociedade também pode ser prejudicada quando uma sentença judicial não sai em um prazo razoável. Um dos efeitos é a possibilidade da prescrição punitiva.
Dependendo do tempo transcorrido entre o recebimento da denúncia pelo poder Judiciário e a sentença, uma pena pequena pode resultar em um crime prescrito. Ou seja, uma pena que, na prática, não será aplicada.
“Não obstante, a Vara Criminal tem se destacado pelo andamento processual célere, fruto da extrema dedicação dos servidores, de modo que tais ocorrências não são recorrentes”, garante a juíza diretora do fórum.
De forma subjetiva, a Constituição assegura a todas as partes envolvidas em ações judiciais a “razoável duração do processo”. Essa subjetividade, sem a indicação exata de quanto deve durar o trâmite de cada ação, faz com que muitas delas tramitem por 10, 15 ou até 20 anos.
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“O que é ‘duração razoável do processo’? Para um cidadão que busca uma cirurgia ou um medicamento a duração de um processo reclama urgência e tempo ínfimo, sob pena de perecimento da sua vida muitas vezes”, analisa o presidente da OAB de Brusque.
Munhoz explica que houve uma época, há cerca de dez anos, em que a comarca de Brusque se destacava por sua velocidade em proferir sentenças, levando-se em torno de um ano e meio a três anos.
No entanto, o aumento da população e, por consequência, do número de conflitos, não cresceu na mesma proporção do número de varas e juízes atuando na comarca.
“É importante haver a instalação de duas ou três varas para que se diminua o tempo de tramitação dos processos e se atenda a sociedade de maneira célere e eficaz”, reitera o presidente da OAB.
“O sistema jurídico brasileiro por si só é moroso, lamentavelmente”, avalia o presidente da OAB de Brusque.
No entanto, ele acredita que o cenário pode melhorar com a substituição do atual sistema da Justiça Estadual pelo da Justiça Federal, o que irá desafogar as demandas de uma grande parcela de servidores.
Porém, na avaliação de Renato Munhoz, a sociedade é parte importante para que as demandas de processos pendentes diminuam.
“É necessário haver a desmistificação da sociedade sobre a necessidade de utilização do Judiciário para a solução de todos os seus conflitos”, diz.
Ele afirma que o número de conflitos poderia diminuir se as pessoas tratassem as questões legais de forma preventiva, realizando, por exemplo, uma consulta prévia a advogados na hora da elaboração de um contrato; na sucessão familiar; na organização de atividades trabalhistas, dentre outras situações.
Uma sociedade acostumada a fazer isso geraria, na avaliação do advogado, uma diminuição do número de ações, e reduziria a possibilidade de utilizar o Judiciário para discussões consideradas desnecessárias.
“Para que tenhamos uma Justiça mais efetiva é ainda essencial a conscientização da população de que é possível resolver conflitos também por meio da mediação ou arbitragem e não só através do Judiciário, mas, acima de tudo, que é sim viável evitar a instalação de conflitos se cada um fizer a sua parte”, conclui.
Atualmente, para lidar com tamanha quantidade de processos, os juízes precisam estabelecer prioridades, examinando primeiro casos mais urgentes, ainda que haja processos mais antigos na fila.
A própria legislação estabelece casos prioritários, em razão de idade, os mandados de segurança e pedidos de liminar, e os listados nas metas de produtividade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como os que envolvem crimes de colarinho branco.
“Como todos os demais processos também precisam ser impulsionados, a priorização objetivada pela lei acaba não acontecendo na sua plenitude”, admite a juíza Iolanda.