As lições da tragédia de 2008: o que mudou nos sistemas de prevenção em Brusque
Saiba como a Defesa Civil se aperfeiçoou após o desastre ambiental
Saiba como a Defesa Civil se aperfeiçoou após o desastre ambiental
Em 2008 as prefeituras da região ainda não possuíam uma estrutura considerada adequada em termos de Defesa Civil.
Isso fica nítido quando se analisa que a maior parte dos entrevistados para a produção desta série de reportagens soube dos riscos provocados pela enxurrada ao olhar para o céu e ver a chuva incessante, mas não por ter recebido qualquer alerta prévio do órgão governamental.
Com a falta de aviso, muita gente não teve tempo de se programar para sair de casa e salvar seus pertences. Quando se percebeu o tamanho da tragédia, para a maior parte dos brusquenses, era tarde demais para escapar ileso.
Não havia, naquela época, os sistemas, a mão de obra e a capacidade de monitoramento de fenômenos climáticos que hoje tanto ajudam a população a se prevenir dos desastres naturais.
Sequer havia uma coordenadoria da Defesa Civil em Brusque, a qual passou a funcionar em sede provisória, em uma sala na sede do Corpo de Bombeiros, somente no ano seguinte à tragédia, em 2009.
Carlos Alexandre Reis, atual diretor da Defesa Civil de Brusque, afirma que muita coisa mudou nestes últimos dez anos.
Ele explica que em 2008 a Defesa Civil não tinha sequer um veículo próprio para ajudar a população afetada pela cheia e pelos desmoronamentos de encostas, e teve que utilizar veículos de outras secretarias da prefeitura, além de um efetivo reduzido.
Hoje o órgão possui três veículos, e 11 servidores, entre efetivos, comissionados e estagiários. Na parte de monitoramento, são dez estações meteorológicas, o que garante à Defesa Civil uma projeção de enchentes com 12 horas de antecedência – seis horas com precisão exata. Não havia essa possibilidade em 2008.
Reis conta que a montagem desse sistema de monitoramento do rio e da possibilidade de chuva é relativamente recente, tendo sido estruturado até meados de 2014. Isso se reflete, na prática, em uma capacidade de alerta à população.
“A maior diferença [para 2008] é o aviso para a população, para que ela possa se prevenir do que pode acontecer. Evitar a enchente nós não conseguimos, mas conseguimos avisar o que está para acontecer”, afirma o diretor da Defesa Civil de Brusque. “Em 2008 não se conseguia fazer com tanta precisão, saber o nível do rio, o quanto ia atingir”, conclui.
Outra evolução conquistada pós 2008 foi o sistema de cotas de enchente, estudo pelo qual os moradores podem saber qual nível o rio precisa atingir para que sua rua seja alagada. Tanto o nível do rio quanto as cotas de enchente estão disponíveis online, no site da Defesa Civil.
Com isso, quem mora em uma rua que está prestes a ser alagada consegue se programar para deixar o local e salvar bens materiais, algo impensável para quem vivia em Brusque em 2008.
Para além da prevenção em época de eventos climáticos, serve para planejamento de longo prazo. “Quem está querendo comprar uma casa pode observar qual a vulnerabilidade do imóvel às cheias do rio”, explica Reis.
Outro projeto desenvolvido para auxiliar a comunidade a se prevenir de catástrofes foi a criação dos Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (Nupdecs).
Desativados desde 2015, eles estão sendo reativados neste ano, em três bairros: Águas Claras, Dom Joaquim e Limeira. Para o próximo ano, a meta é implantar mais dois.
Segundo a Defesa Civil, os núcleos funcionam como um braço do órgão nas comunidades, geralmente vinculados à Associação de Moradores. São realizados treinamentos aos participantes, para que eles possam auxiliar o restante da comunidade.
“Em época de eventos, somente o pessoal da Defesa Civil não consegue atender a população, esses núcleos são muito importantes, eles dão a primeira resposta”, comenta Carlos Alexandre Reis.
O geólogo Juarês Aumond sempre acompanhou a evolução dos sistemas de prevenção e contenção de desastres e, para ele, realmente houve uma grande evolução pós-tragédia.
“Em 2008 praticamente não existia Defesa Civil em Santa Catarina. A partir de 2008 sua organização, sua estrutura, seus equipamentos, suas equipes melhoraram muito”, diz.
Entre as que mais evoluíram, ele destaca a de Blumenau, de Brusque e de Gaspar.
O especialista destaca, além disso, que houve um amadurecimento da população quanto à necessidade de preservação ambiental.
“Os desastres chamam a atenção do mundo todo, e as pessoas estão se dando conta que estamos vivendo um momento de singularidade climática, um momento diferente. Isso está entrando na consciência da coletividade”, afirma Aumond.
Apesar de todas as evoluções, a Defesa Civil ainda enfrenta entraves tecnológicos e financeiros para chegar ao ápice das possibilidades de prevenção de desastres.
Para o próximo ano, o órgão busca expandir de 10 para 16 os pontos de monitoramento do clima, o que se refletirá em mais precisão das previsões meteorológicas.
Ainda hoje, no entanto, se utiliza o método convencional de medição do nível do rio com a régua. Segundo o diretor, há outros dois tipos de sistema de medição mais modernos, um submerso e um medidor sônico, mas ambos estão suscetíveis a erros e não são exatos.
Portanto, ainda em 2018 é preciso que alguém vá até o rio verificar a régua se quiser saber o nível exato das águas.
Um procedimento que poderia melhorar o monitoramento do rio é a batimetria, classificado como uma espécie de raio-x do rio, metro por metro, para se ter uma percepção mais exata dos efeitos das cheias.
“Hoje esse aparelho custa em torno de R$ 300 mil, é fora do nosso orçamento”, afirma Reis.
Outro problema que persiste no século 21 é a desinformação. A Defesa Civil, a cada evento, precisa trabalhar não só para fazer as análises exatas da situação, mas também lutar contra a proliferação de notícias falsas, que acabam por confundir a população.
O órgão tenta centralizar a divulgação de informações, mas não consegue impedir que dados errados cheguem à população, a qual, mal informada, não colabora com as autoridades e não age de forma correta em dias de eventos climáticos.