Na violência política de gênero, a democracia também é vítima

Na violência política de gênero, a democracia também é vítima

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  • 07/03/2024
  • 13:41
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Por Marina Gonçalves de Oliveira e Ricardo Vianna Hoffmann, advogados

O impacto negativo da violência política de gênero à democracia é incalculável. Os ataques às mulheres em campanha política e àquelas que já ocupam os espaços de poder, são frequentes e diários, sendo incalculável o dano infligido a elas e, quem sabe, quantas deixam de se interessar pela política e de ocupar os espaços de poder.

No site do Conselho Nacional de Justiça –CNJ lê-se que: A Violência política contra a mulher passou a ser tipificada como crime em agosto do ano passado, quando foi sancionada a Lei n. 14.192. A partir daí somente o Ministério Público Federal (MPF) contabilizou, até novembro de 2022, 112 procedimentos relacionados ao tema. Em 15 meses, a cada 30 dias, ocorreram sete casos envolvendo comportamentos para humilhar, constranger, ameaçar ou prejudicar uma candidata ou mandatária em razão de sua condição feminina.

Considerando que, a violência política de gênero é praticada em quase todos os partidos, ou então, permitem que essa violência permaneça pela ausência de uma ação de resistência; e ainda, considerando que, não aconteceu ou incide com uma única mulher, no texto que você lerá, não encontrará a citação de sigla partidária, nem o nome de mulheres candidatas ou eleitas. Porém, a violência política de gênero existe e ocorre diariamente.

Quem já foi vítima desse ato ou presenciou algum caso, saiba que você não está sozinha, e todas e todos podem denunciar ligando no 180.

Em nosso país, teremos novas eleições municipais – prefeitos, vice-prefeitos e de vereadores/as, que se realizará no dia 6 de outubro de 2024. Presenciaremos violência política de gênero?

Na última eleição municipal, nossa cidade de Brusque, SC, novamente, por decisão do Poder Judiciário – Tribunal Superior Eleitoral – tem um mandato de prefeito e vice-prefeito interrompido. A eleição transcorreu em 3 de setembro de 2023. 

Definidos os candidatos nas suas convenções. Quatros chapas concorrem. A escolha dos candidatos ao cargo de prefeito foram todos homens, e foram escolhidos mais três homens para o cargo de vice-prefeitos, e apenas uma mulher foi escolhida, como candidata ao cargo de vice-prefeita.

Ao som dos teares “entre os montes e o rio escondido” a “nova” sociedade política, com poucas mudanças; pois, ainda pratica a velha política e, a velha “cultura machista” imperou. Mas como isso ainda acontece nos tempos atuais, em pleno século XXI? Vejamos, leitor.

Na manhã do dia seguinte, após definidos todos os candidatos e candidata, as redes sociais começaram cedo, [como o leitor já sabe, os candidatos em suas campanhas utilizam de forma potente e criativa as redes sociais e aplicativos de mensagens para divulgar suas ideologias, seus desejos e vontades individuais, é também, nesse espaço virtual, que as mulheres candidatas ou eleitas, são impiedosamente atacadas, seja, mulher cis ou trans].

As matracas incansáveis, com seus sons estridentes, cheias de ódios, iniciaram suas viagens de grupo em grupo, “denunciando” a antes amiga, agora, a grande “judas”, a grande “traidora”, a grande “vira-casaca”, a grande “maluca”, a mulher candidata, ela era a única desprezível, ela estava “bêbada quando aceitou”. Sim, a única mulher candidata, era a culpada e odiada por todos os males, frustrações, desejos não realizados. “É tanta gente doida, tanta gente carente…”, canta Vanessa da Mata. O mesmo ataque não ocorreu na mesma proporção aos demais candidatos. 

Se olharmos para o passado, constatamos que coligações partidárias, em diversos momentos políticos, estiveram coligadas com partidos que hoje são seus adversários (ou inimigos) políticos.

O que está acontecendo? Em que momento passamos a perder a civilidade? Para onde foi o respeito ao próximo? Cristãos de Cristo, onde vocês estão? 

Estamos, silenciosamente, presenciando a violência política de gênero, aqui, agora, neste Vale, que já foi mais tranquilo. Não deixemos que o medo e o ódio nos dividam, não devemos tolerar e encorajar o mal e qualquer tipo de violência.

Ora, já se passaram 35 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, não à toa chamada de Constituição Cidadã, pondo fim ao regime militar e trazendo novos olhares e esperança ao desenvolvimento econômico, político e social do país. Todavia, embora expressamente prevista a igualdade formal entre homens e mulheres, o feminino ainda permanece ignorado, violentado e exilado na intimidade do lar, não por ausência de legislações que amparem as mulheres, mas puramente por negativa social e manifestação de impedimentos informais, àqueles amparados no preconceito, na discriminação, no tratamento desigual e na ausência de reconhecimento. 

Todos sabemos que a construção de uma sociedade mais fraterna e justa perpassa pelo exercício da cidadania, principalmente na esfera pública política, ao passo em que, se negamos exercício pleno das mulheres nesses espaços, estamos verdadeiramente impedindo-as de apresentarem suas reivindicações, suas percepções e contribuições.

A violência política de gênero, contra a mulher, está criminalizada na lei n° 14.192/2021, em seu artigo 3º, que: Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher, ou seja, é toda violência – como: psicológicas: humilhações, agressões verbais, ameaças, constrangimentos, dentre outras. simbólicas: intimidar mulheres e fazê-las se sentirem inferiores a homens. físicas: tapas e demais ataques físicos. sexuais: assédios e outras violências sexuais -, praticada contra as mulheres, não só por essa condição de ser mulher, mas por sua cor, raça ou etnia. Violência essa, cujo principal objetivo é impedir o acesso aos espaços políticos – na disputa ao cargo eletivo e, se eleita, no exercício de mandatos ou quando das suas manifestações políticas.

E, quando a mulher é candidata ou eleita, a violência, pode decorrer das seguintes formas: interrupção frequente de fala em ambientes políticos; desqualificação das suas habilidades fazendo com que ela não se sinta capaz para a função; desproporcionalidade no repasse do fundo partidário; desvio de recursos para as candidaturas masculinas; ameaças à candidata, por palavras, gestos ou outros meios e difamação da candidata.

Percebam que, nesses casos, a violência não atenta contra pautas políticas, ideologias e propostas, o que é esperado de debates políticos (não violentos), mas sim contra a pessoa da mulher, sua vida íntima, capacidades, autonomia e características físicas, o que comprova o miserável viés discriminatório e o total desconhecimento da verdadeira política, seu significado e impacto. 

No Brasil vigora, desde 2021, a Lei n° 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; e altera a Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), para dispor sobre os crime de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais. (grifei)

A referida lei, criminalizou:

“Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher: I – gestante; II – maior de 60 (sessenta) anos; III – com deficiência.”

“Art. 327. As penas cominadas nos arts. 324, 325 e 326 aumentam-se de 1/3 (um terço) até metade, se qualquer dos crimes é cometido:

[…];

IV – com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia;

V – por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real.” (grifei)

Fiz os destaques no que interessa ao caso que estou abordando. Então esses cidadãos e cidadãs estão cometendo crimes? Sim! 

Os administradores dos grupos de redes sociais, que não coíbem, também estão sujeitos a responderem criminal e civilmente pelos danos causados a outrem? Vejamos leitores.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que o administrador de grupo de WhatsApp pode ser responsabilizado pelas falas no grupo. Se por um lado, é verdade que a referida decisão é motivo de grande controvérsia entre os juristas. E, ainda, não pacificada pelos Tribunais pátrios. Por outro lado, penso que, seria prudente que os “administradores” cuidem com o que falam (áudios, vídeos) e escrevem em seus grupos para evitar possíveis crimes.

Leitor, não tenho conhecimento de alguma denúncia ou de uma possível condenação por crime de política de gênero. Mas tente recordar, você lembra se ocorreu algum crime de política de gênero, na eleição de 2023, em algum grupo de WhatsApp, que você participou ou participa?  

Cidadãos e Cidadãs, eleitores ou não, nesse ano teremos novas eleições e, que as mulheres candidatas e as eleitas, possam ouvir ressoar “nos ares, o cantar triunfal do progresso, pela voz singular dos teares”, uma campanha eleitoral sem discursos de ódio, sem “menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”, sem “impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.

A violência política de gênero é crime. Cidadãos e Cidadãs – eleitores, candidatos e candidatas – não cometam o crime de violência política de gênero. Dialoguem, manifestem-se e façam suas campanhas sem o discurso de ódio.  

É necessário refletirmos sobre a influência de nossos discursos, nossas condutas e pensamentos, principalmente quando o feminino permanece vinculado ao “sexo frágil”, sendo as mulheres impedidas de figurarem como protagonistas de suas vidas, participando politicamente de forma paritária. Fato é que, negar a importância da participação política das mulheres, apenas atesta que a sociedade, mesmo passados longos anos desde o fim do regime militar, ainda passa pelo processo de redemocratização, tornando-se algoz de seu próprio desenvolvimento. 

Na violência política de gênero, a mulher candidata, a mulher eleita e a democracia, todas, são suas vítimas.

Mulheres participem mais da vida política municipal.

Mulheres se candidatem. 

Pense nisso!

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