Na
semana passada, assisti ao filme “Quando o amor não é o bastante”, com Wynona
Ryder e Barry Pepper, que narra a história de Bill Wilson, o fundador dos
Alcoólicos Anônimos, vivido por Pepper, e sua esposa Lois, interpretada por
Rider. Bill Wilson é um corretor da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que se
casa com Lois, uma moça de família abastada. O drama é que Wilson vai se
afundando cada vez mais na dependência do álcool, transformando a vida do casal
num inferno. Para quem vê o filme, assim como para a família de Lois, fica
muito difícil entender por que ela simplesmente não o abandona, para não
destruir sua vida na amargura e no ressentimento, como alerta a mãe da
personagem. A permanência dela ao lado do marido é algo que não lhe era
exigido, porque não se pode exigir de ninguém tal sacrifício. Mas ela desafia o
entendimento de quem está ao redor e, provavelmente, de si mesma.

Bill
não consegue parar de beber, porque o vício, como o faz sempre, minou suas
forças. Ele se ressente de não ter a fé da esposa, pois não consegue se apegar
a nada acima de si. Até que chega ao fundo do poço e grita por ajuda, quando
finalmente se sente liberto. Começa então a procurar outros viciados, o que, finalmente
o faz dar início às reuniões que criaram os “Alcoólicos Anônimos”. Os
princípios fundamentais da entidade, expressos nos famosos “doze passos”,
refletem essa experiência. Neles fica claro que o ponto de partida para sair do
vício é o viciado reconhecer a própria impotência e permitir que uma força
superior o tire de lá. Daí o reconhecimento e a reverência a Deus, do modo como
se o concebe, como passo fundamental para a superação da dependência, conforme
preconiza a entidade fundada por Bill Wilson.

No
filme, há uma pergunta frequente de Lois, no tempo de sobriedade de Bill: por
que o seu amor não foi o bastante para livrá-lo do vício? Essa pergunta é fundamental
para congregar também as esposas dos alcoólicos que, a convite de Lois, também
se reúnem, para se fortalecerem e trocarem experiências.

A
pergunta permanece sem resposta, mas ocorreu-me que ela pode ser compreendida,
de alguma forma, se observarmos o que ocorre numa cirurgia. O cirurgião é o
médico especialista, a quem se recorre para resolver um problema grave, que
necessita de uma intervenção radical. Mas ele não age sozinho. O anestesista é
o médico responsável por manter as funções vitais do paciente durante o
processo, pois uma cirurgia é como consertar um carro com o motor ligado. Essa
parece ser a função de Lois e das esposas do filme, como o é a de tantas
esposas, maridos, pais, mães, filhos, que vivem o drama de ter um viciado na
família. Apenas o Grande Cirurgião pode libertar o viciado, mas,
misteriosamente, parece que Ele quer se utilizar do trabalho de dedicados
anestesistas, cujo amor, mesmo não suficiente, é imprescindível para manter
vivo o paciente até que ele reconheça a necessidade da intervenção cirúrgica. A
abnegação de quem se presta a este serviço permanece incompreensível, mas,
diante da beleza e do mistério, a razão pode descansar. Basta a observação
silenciosa, que contempla com os olhos do coração.