A recente polêmica envolvendo a reunião do ex-presidente Lula com o ministro do STF Gilmar Mendes é um capítulo a mais nessa estranha relação de poderes na república brasileira.


A divisão de poderes é uma das conquistas mais importantes da filosofia iluminista e a independência e autonomia de cada um deles são os fundamentos de uma democracia sólida.

Quando os Estados absolutos se firmaram em parte da Europa, no início da Idade Moderna, os reis absolutistas deitavam e rolavam, porque exerciam um poder sem limites, podendo fazer as leis que quisessem, tomar qualquer decisão administrativa e ainda interferir no trabalho dos juízes.

No Brasil imperial, o imperador tinha um poder extra, chamado pela Constituição de 1824 de “Poder Moderador”, o que lhe permitia interferir nos demais poderes. Mas mesmo ainda na Idade Moderna, na Inglaterra, os reis não tinham tanta moleza assim.

É que a tradição inglesa impunha, no mundo jurídico, uma força enorme às leis que vinham dos costumes do povo, a chamada “Common Law”, que os juízes ingleses tinham que seguir. Isso funcionava como uma espécie de freio ao poder absoluto do rei. Como era obrigado a seguir os costumes, tinha que reconhecer uma lei que não era posta por ele, mas pela sociedade civil.

 Assim, o poder estava dividido e, ao contrário do que acontecia na França ou na Espanha, por exemplo, os reis ingleses nunca foram tão absolutos.


O filósofo francês Charles Louis de Secondat, conhecido como Barão de Montesquieu, desenvolveu essa ideia na sua famosa tripartição de poderes (executivo, legislativo e judiciário), afirmando que essa divisão era fundamental para que houvesse algum tipo de controle do poder. Como disse o historiador britânico John Dalberg-Acton: “O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente”.


Mas para que isso funcione, é preciso que cada poder se atenha à sua atribuição, na medida em que isso seja possível.

Já critiquei nesta coluna o excessivo ativismo do STF, que frequentemente está definindo regras que deveriam, pelo padrão de Montesquieu, ser definidas pelo Congresso Nacional. Enquanto isso, o que fazem os deputados e senadores? Investigam. Fazem o que é atribuição do poder executivo. As CPI’s fazem o trabalho da polícia, enquanto os temas importantes que o legislativo deveria discutir ficam à deriva.

Não desconheço o que de importante já fizeram algumas CPI’s, mas investigar deve ser trabalho do poder executivo, que o exerce através do Ministério Público e da polícia. O legislativo pode denunciar, mas não deve, na minha opinião, encabeçar o trabalho de investigação. Além do mais, essas CPI’s são eivadas de interesses políticos, que frequentemente sobrepujam a busca pela verdade.

  

Quando Lula tenta interferir no trabalho do Judiciário, então a luz de perigo já não pode ser ignorada, e o coitado do Montesquieu se revira no túmulo com tanta interferência indevida de um poder no que é atribuição do outro.


Uma democracia só se consolida com instituições fortes e independentes, que subsistem e cumprem seu papel, independente das pessoas e dos interesses momentâneos. A República brasileira tem mais de 120 anos.

Já está na hora de amadurecer.