Hoje, nesta reconstrução de 1988, a gente sai dos shows das bandas locais ou “importadas” e volta para casa, para ligar a televisão e ver o que tínhamos disponível para alimentar nossa fome de informação cultural (e nossa necessidade de entretenimento, é claro), lá nos finais dos anos 80.

Pense comigo. A MTV em versão brasileira só estrearia em 1990, mas já estava super consolidada na matriz norte-americana e ao redor do mundo. Portanto, a indústria dos videoclipes estava no auge, com material suficiente para alimentar a TV aberta. E lá estávamos nós, caçando novidades no rock diversificado daquela época, misturado ao pop internacional (que já vendia muito bem, mostrando quem era o queridinho do “sistema”) e aos sucessos construídos pelas gravadoras e produtores brasileiros.

A gente ia além. A Globo, quem diria, foi a responsável por uma quebra de padrões no humor televisivo, coisa que já vinha desde 1985, com o advento da Armação Ilimitada – que, por sinal, durou até 1988. Foi aí que entrou em cena o melhor programa de humor da década, a TV Pirata. Com seu elenco estelar – Marco Nanini, uma Cláudia Raia brilhando na comédia, Débora Bloch, Louise Cardoso, Cristina Pereira, Diogo Vilela, Guilherme Karan, Pedro Paulo Rangel, os ex-Asdrúbal Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé… e mais o time de redatores que incluía o pessoal do Casseta Popular e do Planeta Diário, além de Laerte e Glauco.

Ou seja, a emissora atraiu boa parte dos destaques do humor inteligente e fora do mainstream que era feito no país… e misturou tudo, com um resultado inacreditável. Revolucionário. Nas reprises que de vez em quando aparecem no canal Viva dá para ver que, mesmo que não deixe de ser datado, o estilo da TV Pirata moldou nossa visão humorística de mundo. Nada menos do que isso. Não aconteceu nada melhor na TV, em 1988.

No universo das séries, não tem como não lembrar da nostalgia bem contada de Anos Incríveis (sim, aquela que usava, na trilha de abertura, a versão de Joe Cocker para With a Little Help from my Friends). Uma delícia que não passou na Globo, mas fez parte, “atrasadamente”, da programação da TV Cultura. E dá-lhe antena parabólica… No mais, os “enlatados” foram dominados por versões televisivas de filmes de sucesso, naquela reciclagem que vemos acontecer o tempo todo, até hoje.

No mundo mais democrático e hegemônico das novelas, 88 foi o ano de um marco: Vale Tudo. A discussão explícita sobre honestidade, ética, sobre se vale tudo ou não para “subir na vida”… tudo isso não era muito comum na dramaturgia da nossa TV. Não precisamos nem fazer esforço para listar seus vilões inesquecíveis – Odete Roitman (o papel da vida de Beatriz Segall, que chegou a se livrar de um assalto em São Paulo porque o bandido a confundiu com a personagem e saiu correndo, segundo o que ela disse em uma entrevista na TV que eu nunca esqueci), o casal trambiqueiro e alpinista social formado por Maria de Fátima Accioli e César Ribeiro (Glória Pires e Carlos Alberto Riccelli), Marco Aurélio (vivido por Reginaldo Farias), para quem coube o fecho de ouro da novela, com a fuga mais emblemática da TV brasileira.

Por sorte, vamos ter a chance de rever Vale Tudo mais uma vez, capítulo a capítulo, a partir deste mês, no Viva.

88 também marcou o fim de uma era, com a morte do Chacrinha. E o começo de outra: foi naquele ano que Jô Soares foi para o SBT, trocando o humor pelas entrevistas. E Fausto Silva encerrou seu Perdidos na Noite, na Bandeirantes, para começar, em março de 89, seu reinado nos domingos da Globo.