O ser humano e espiritualidade
O ser humano, desde o momento que se percebeu como um ser diferente de todos os outros seres, manifestou sua relação com o Transcendente, com o “totalmente Outro”. Isto é, com “algo ou alguém” que o supera e está além do seu horizonte humano Mas, que o encanta, o espanta, o atrai e se sente seu dependente. Portanto, não é uma sensação produzida por sua cultura, por qualquer motivação puramente humana. Pelo contrário, é algo intrínseco, inato que o impele a um encontro com o Indizível e o Imperscrutável, que o excede sempre.
É oportuno sublinhar, porém, que não é tudo claro, transparente, compreensível. Ao contrário, desde sempre o ser humano busca respostas para muitas dúvidas sobre o Transcendente. Uma dessas perguntas é justamente a respeito da vivência da espiritualidade.
Como e por que podemos falar em espiritualidade? É possível porque o ser humano se percebe diferente dos demais seres que o rodeiam. Ele tem consciência que não é um “objeto no meio de objetos”. Percebe em si, “algo mais”. Portanto, como um “eu”, um “sujeito”, como “alguém” que, além da dimensão material (corporal) possui uma “interioridade” que os outros seres não a têm: a dimensão espiritual.
Não estamos, só e puramente na esfera do psicológico, mas além dela há o espírito que justamente unifica e dinamiza todo o ser humano em suas manifestações. É a morada da consciência, da liberdade, das intuições, dos projetos de vida… É o nível, por excelência, da espiritualidade.
Espiritualidade que é cuidada, alimentada, cultivada de muitas maneiras, ao longo da vida de cada um. Principalmente, porém, pelo encontro com o Transcendente (que na linguagem religiosa ou teológica, seria Deus) que se dá por muitos caminhos, seja em nível pessoal ou em nível coletivo, por meio gestos, palavras, ações, cultos… Para o cultivo, o enriquecimento, a vivência da espiritualidade, se faz necessária a crença (a fé) na proximidade, na presença desse Transcendente na vida do dia a dia. É preciso uma comunicação, uma conexão constante com Ele para cultivar a espiritualidade.
Essas disposições interiores são necessárias para qualquer tipo de espiritualidade. Todavia, a espiritualidade cristã é completamente diversa de outras espiritualidades, como a budista, xintoísta, hinduísta, espírita… A razão de sua diferenciação está na sua centralidade: a Graça de Deus, na primazia de Deus, na inciativa de Deus. É o próprio Deus que vem ao encontro do ser humano, não o contrário. É o próprio Deus que nos salva, não é o ser humano, que com seu esforço, se purifica, se liberta, se salva.
A espiritualidade cristã, portanto, é uma maneira toda peculiar de se comunicar, de se relacionar, de sentir a proximidade e a presença de Deus. Pois, para a fé cristã, “Deus é amor” (1Jo 4,8).
O amor, por sua própria natureza, pede comunicação, diálogo, encontro com o/a amado/a para se doar e expandir-se. Por isso Papa Bento XVI na primeira encíclica “Deus Caritas Est” definiu o cristianismo de uma maneira muito precisa. Ele diz que o cristianismo não é uma ética, não é o fazer bem ao próximo, não é uma visão do mundo, um dogma ou uma doutrina. Para ele, cristianismo é o encontro pessoal com Cristo.
A espiritualidade cristã é deixar-se encontrar por Deus, é deixar-se abraçar por Deus, é deixar-se amar por Deus.