Ação e força
Emmanuel Mounier (1903-1950), Filósofo francês, frequentemente, parte de uma consideração que define e engaja o estilo da pessoa humana, de sua presença e de seu testemunho efetivos na realidade total. É a questão da força. Mounier faz um grande elogio à força (Oeuvres, T. I pp. 307-313). Sobre esta, diz ele, existem mal-entendidos e deviações sutis. Chega-se inclusive a aceitar “a mania que tantos virtuosos têm de classificar no rol do mal tudo o que manifesta força, potência, afirmação, sobressalto. Sua conclusão é que só o homem emasculado é virtuoso” (Oeuvres, T. I pp. 307-308).
A perda ou a negação de seu valor e de seu sentido, nas relações humanas, vem dos comprometimentos baixos que assumiu na história humana. “Nove vezes sobre dez foi abandonada aos ávidos. Contra nove espadas de cupidez, foi desembainhada só uma espada de fogo. É raro ver o potente abandonar sua potência, o vencedor limitar sua vitória às proporções da justiça. Com o passar do tempo, a marca da infância se acentuou no rosto da força: tanto que agora não somos mais capazes de vê-la senão sob o aspecto de injustiça”. Portanto, ela foi instrumentalizada para outros fins que as relações personalizantes entre pessoas.
Estes desvios acentuaram o aspecto físico, ligado geralmente à brutalidade, à coação, à violência, à agressividade gratuita. Para Mounier, o poder da força não está no gesto, mas naquilo que lhe é subjacente. “A força não está no gesto, mas na presença que está sob o gesto e que, às vezes, dispensa o gesto”. Para ele, esta é uma verdade comum que foi olvidada e deve ser retomada para dar a força seu verdadeiro significado nas relações interpessoais e intersociais.
O mundo e a natureza não são inertes, mas habitados pela energia. “A energia é uma propriedade natural, nada mais”. Neles, as relações de forças têm um papel importante, está arraigada na natureza. Dela se liberta, por meio de um combate incessante contra os determinismos. Pelo domínio das forças naturais inúmeras, torna o mundo mais habitável e mais humano. É nisso que consiste o esforço de personalização.
Se isso acontece nas relações com o mundo e a natureza, nas relações com os semelhantes, apesar das nuances diferentes, as relações de forças estão presentes. De fato, a vida concreta com e para o outro não pode prescindir da força e do combate (Cfr. T.I p.308).
É preciso tomar consciência que as relações intersubjetivas na família, na escola, nas demais comunidades intermediárias incluem a força. Por exemplo, pais que renunciam a toda relação de força com seus filhos não deles seres viris e responsáveis diante da vida e do mundo que os cerca. A educação repousa sobre estas relações de força (Cfr. TIII p. 374). O importante é a canalização desta força a serviço do amor recíproco.
Mesmo com Deus existem relações de força: a luta de Jacó com o anjo. É necessário ter a coragem de lutar com Deus para manter viva a fé, a esperança e o amor. A luta esclarece e dá energias. Deus não aceita conformismos irrestritos, a indiferença, a inércia. “Eu não vim trazer a paz, mas a espada”: assim fala o espírito.
“Sem dúvida, observa Mounier, é necessário superar a força. Mas, antes de superá-la, é preciso passar por ela. Não ao lado. De modo algum, Mounier não aceita o pacifismo, refúgio da covardia, da mediocridade, da indolência que muitos professam. Jamais a o uso da força pode sacrificar a verdade e a justiça” (Idem).
O ser humano que aprendeu a administrar, em sua existência, ação e força encontrou o caminho para a existência como pessoa livre e responsável.