Filosofia e Amizade social (3)
Em artigos anteriores, vimos como os gregos clássicos, os filósofos da Patrística e da Idade Média, como também os pensadores da Modernidade refletiram a respeito da amizade social. E como essas reflexões influenciaram a organização e estrutura das Sociedades e a construção das várias Culturas. No final do século XIX e início do século XX, com a crise da Filosofia e da Ciência e da Técnica, surgiram novas ideias e novas propostas de reflexão. A proposta que mais se sobressai foi uma reflexão mais apurado a respeito do ser humano, mais precisamente sobre sua existência humana concreta e a realidade em que está inserido.
Na primeira metade do século XX, um movimento filosófico denominado Existencialismo ou Filosofia da Existência e a Fenomenologia trouxeram para o palco da reflexão muitas realidades humanas que não eram tão frequentadas. Entre elas, a descoberta e presença do “outro”, do “tu”. A reflexão sempre se referia ao “eu”. Portanto, à individualidade, a subjetividade. O “outro”, o “tu” entra nos relacionamentos humanos como interlocutor, como alguém que me questiona, me limita, me liberta, me escraviza… Desta forma, o teatro, o romance, a poesia, o cinema, diários íntimos são os veículos que apresentam a irrupção do “outro” como uma presença constante.
Essa presença e sua atuação nas relações socioculturais vão incidir sobre a amizade social. Pensadores cristãos ligados à Filosofia da Existência ou Existencialismo e a Fenomenologia, como aqueles que trouxeram a reflexão do ser humano, como “pessoa”, como o Personalismo conseguiram recuperar muitos dos valores que a Modernidade havia ignorado, rejeitado, negado…
De fato, a presença do “outro” e a relação com ele faz bem ao ser humano porque o humaniza. Sim, humaniza-o porque nós fomos criados, aparelhados para a comunicação, isto é, para estarmos abertos ao outro (minúsculo: semelhante) e ao Outro (maiúsculo: Deus). Em outras palavras, fomos feitos para não estarmos sós. Somos todos seres sociais. Necessitamos uns dos outros para poder viver. Sem a presença do outro e sem essa abertura para o outro, nossa vida se torna intragável e inviável como vida verdadeiramente humana. O ser humano é essencialmente dialogante, comunicante.
Sem dúvida, quando não desenvolve essa sua dimensão pessoal, ele se empobrece e empobrece os seus semelhantes. Quando isso acontece a solidão torna-se, então, uma realidade tremendamente negativa. Essa solidão necessita de superação para o bem do próprio ser humano e para os que convivem com ele. Com efeito, essa solidão soma negativamente para o todo da sociedade. O ser humano foi criado para ser solidário e não solitário. Daí a necessidade de cultivar a amizade social.
O Papa Francisco, tendo presente toda essa reflexão ao logo de todo século XX, escreve a “Encíclica Fratelli Tutti”, recuperando toda a riqueza dessa experiência. E oferece uma bela e rica mensagem a respeito da Amizade social. Deixemos ele nos dizer algo. A CF2024 aproveitou essa reflexão e a transformou no Tema central de sua proposta.
“Amizade social é ‘amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço’; amizade social é ‘uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade física’; “amizade social é viver livre ‘de todo desejo de domínio sobre os outros’; amizade social é o ‘amor que rompe as cadeias que nos isolam e separam, lançando pontes; o amor que permite construir uma grande família na qual todos nós podemos nos sentir em casa; amizade social é a nossa ‘vocação para formar uma comunidade de irmãos que acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros’…”
Torna-o solidário e apto a construir a Civilização do Amor. A nossa Sociedade e nossa Cultura precisam de seres humanos solidário e não de seres humanos solitários.