Pesquisa analisa perfil das mulheres agredidas por familiares em Brusque
Projeto acadêmico foi realizado a partir do serviço de acolhimento psicológico da Polícia Civil
Projeto acadêmico foi realizado a partir do serviço de acolhimento psicológico da Polícia Civil
O medo ainda faz com que muitas mulheres vivam dias de tormento dentro de suas próprias casas, com agressões físicas e verbais. Apesar do grande número, apenas uma pequena parcela busca apoio psicológico após denunciar agressão ou ameaça do companheiro.
Em Brusque, na Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami), 169 mulheres foram encaminhadas ao serviço de acolhimento em 14 meses, ou seja, uma média de 12 ao mês. O número é ainda menor quando consideradas as desistências: apenas 75 delas compareceram ao atendimento agendado.
Este foi o período que a estudante de Psicologia, Bruna Adames, 22 anos, utilizou para realizar um projeto acadêmico dentro da delegacia, que iniciou como estágio obrigatório da Unifebe.
Ao ver que as mulheres aderiram ao projeto, ainda que uma quantidade pequena, ela percebeu os benefícios que os acolhimentos psicológicos proporcionavam a elas. “O medo do desconhecido é muito evidente nessas mulheres. Elas preferem estar no conforto, por mais ruim que seja, do que conhecer o desconhecido, pois ele causa um medo maior ainda do que a violência”, analisa.
O desconhecido a que se refere é a questão do ciclo da violência, explicado academicamente em três etapas: atenção, explosão e enamoramento ou lua-de-mel. Quando as vítimas entendem o processo, há um choque de realidade muito grande e elas sentem-se muito mais ‘empoderadas’. “Elas ressignificam suas histórias e isso resulta numa tomada de consciência para uma mudança”.
Os atendimentos às vítimas de violência doméstica ocorrem todas as terças-feiras, e duram em torno de 45 minutos. A capacidade de atendimento da Polícia Civil é de seis mulheres por semana. No entanto, a cota mínima não é preenchida, pois a desistência é grande.
Bruna explica que existe um ciclo da violência do qual essas mulheres estão presas e acreditam muito na mudança do parceiro. Das 75 mulheres atendidas, 62% delas são casadas, 22% solteiras e 16% separadas ou divorciadas. “Elas entendem que o sistema judiciário vai ser como um terceiro que interferirá no relacionamento deles e alterará esse modo de relação”, diz.
Durante os acolhimentos, os discursos mais ouvido pela acadêmica foram: “Você não poderia dizer o que está me dizendo para ele?”, “Você não poderia conversar com ele também?”, “Será que ele pode mudar?”. Bruna frisa que a psicologia crê na mudança do ser humano. Contudo, é preciso aderir a um tratamento, ter um desejo de mudança.
Rede de apoio
Como não existe uma estrutura para se realizar o tratamento psicológico dentro da delegacia, o acolhimento tem como objetivo tirar as dúvidas das mulheres quanto às leis e aos direitos, além de realizar o encaminhamento delas aos serviços público de apoio.
Das 75 atendidas, 91% foram encaminhadas para psicoterapia na Clínica Escola e Serviços de Psicologia (Cesp – Unifebe), onde Bruna também realiza estágio. Há ainda encaminhamentos para a Secretaria de Assistência Social, Centro de Referência em Assistência Social (Cras); Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD); Unidades Básicas de Saúde; Núcleo de Prática Jurídica; Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Subseção Brusque) e Fórum. “A proposta é trabalhar numa rede de apoio, numa equipe multiprofissional, para construir redes de suporte a esse público-alvo”, explica Bruna.
Participantes do processo
A acadêmica diz que o acolhimento busca tratar as mulheres como participantes do processo de relacionamento, em que a atitude delas influencia no comportamento do outro e não apenas como vítimas.
Segundo a estudante, ainda existe um tabu muito grande na sociedade de que o atendimento psicológica é destinado a transtornos mentais. Por isso, o acolhimento desmistifica essa ideia, em que as mulheres saem sentindo-se aliviadas por serem compreendidas.
Motivação das denúncias
Com o projeto, Bruna constatou que 59% das 75 mulheres que buscaram o atendimento psicológico optaram por não representar judicialmente contra o agressor. Os dados então incentivaram a acadêmica a investigar os aspectos psicológicos envolvidos na relutância da representação criminal, o qual será o tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
“Eu já levantei algumas hipóteses que seriam o medo, sentimento de afeto, preocupação com os filhos, esperança de mudança do companheiro, entre outros motivos”, conta.
Bruna se forma no fim do ano, mas acredita que seu projeto possa ser utilizado por novos acadêmicos para que tenha continuidade no acolhimento. Para o futuro, a estudante pretende fazer mestrado na área da Saúde e Desenvolvimento Psicológico, entrar na área da docência e ter o próprio consultório para atender diversas demandas.