Depois que eu comecei a cursar Letras, muitas pessoas passaram a se monitorar mais para falar comigo, cuidando para não cometer qualquer tipo de “erro” – você vai entender o motivo das aspas no decorrer do texto –, pois se isso acontecesse, eu olharia com cara feia. Gente… não! Não mesmo! Eu vou explicar o porquê.

O título deste texto traz uma questão um pouco polêmica. A primeira lição que nós, acadêmicos de Letras, aprendemos na faculdade é que o certo e errado não existem. Os termos corretos são adequado e inadequado, respectivamente. Ainda não entendeu? Vou exemplificar. Você acha estranho falar gírias em uma conversa com um advogado? Sim? Pois experimente falar de maneira extremamente formal com o seu amigo de infância. O estranhamento aparece também. São duas formas de falar completamente diferentes, sendo uma delas vista com prestígio e outra vista de maneira estigmatizada, mas que, dependendo da situação, se encaixa melhor.

Vivemos em uma sociedade “super-híper-mega-ultra-power” diversificada. Estamos cercados por pessoas de etnias, pensamentos, culturas e opiniões diferentes. Com a língua, a coisa funciona da mesma maneira: ninguém fala igual a ninguém. Ainda que existam sotaques, expressões e jeitos de falar semelhantes, a língua, assim como quase tudo que diz respeito à identidade, isto é, aquilo que somos, varia. Logo, a partir do momento que eu julgo a forma de outra pessoa falar, eu não corrijo simplesmente um “erro”, mas sim julgo o falante, sua família, sua comunidade de fala etc. Com isso, eu seria preconceituoso. Sim, é preconceito! O chamado preconceito linguístico.

Muitas vezes vimos, em nosso cotidiano, pessoas corrigindo outras, ridicularizando diferentes maneiras de falar ou até mesmo humilhando falantes devido a uma palavra falada que não segue as normas da gramática. É preciso ler as entrelinhas. A pessoa pode ter vivido em uma região onde aquela palavra é usada frequentemente, a pessoa pode ter tido um nível de escolarização diferente, a pessoa pode ter vivido em uma época diferente, enfim, esses e outros fatores são responsáveis por grande parte das diferenças no vocabulário, na sintaxe, na morfologia etc. da nossa língua.

Por exemplo, como definir se o certo é vina ou salsicha, biscoito ou bolacha, tangerina ou vergamota, se dependendo da região um termo é mais usado que o outro? Ou como posso separar como certo e errado, respectivamente, os termos vassoura e bassoura, sendo que os dois existem na oralidade e são compreensíveis? Como é que eu posso corrigir uma pessoa quando ela diz “a gente vamos”, sendo que a gente, apesar de ser singular, tem sentido de plural? Como posso ousar corrigir um senhor que fala “despois”, sendo que esta mesma palavra era usada pelos nobres na antiguidade? São regras não aceitas pela gramática normativa, mas que não devem ser estigmatizadas. A língua é ampla, vasta, imensa. É possível se divertir usando-a de várias maneiras, sem precisar se prender às regras dessa tal gramática.

Por isso, não devem ser estabelecidas formas corretas ou incorretas de falar. Não faz mal usar um termo ou outro. Não faz mal dizer “eu assisti o filme” se a gramática impõe que deve-se dizer “eu assisti ao filme”. Não faz mal usar próclise quando a gramática pede ênclise, ou seja, você pode dizer “Eu me chamo xxxxx” e se sentir tão bem quanto a pessoa que diz “Eu chamo-me xxxxx”. Não faz mal não seguir o padrão sempre! E se você gosta de falar o mais próximo possível da gramática normativa, não faz mal também! Use-a, ame-a, faça um bom proveito, mas nunca, em momento algum, descrimine aquele que não faz a mesma coisa. Só queremos que todas as formas de falar que são compreensíveis sejam vistas da mesma forma.

E outra coisa: pasme, mas ninguém (isso mesmo, NINGUÉM) fala o português seguindo todas as regras prescritas pela gramática, então somos todos “errados” nesse ponto de vista. A norma padrão estabelece um limite de formas corretas para dizer as coisas, mas vamos pensar por um certo lado: a língua muda todos os dias, em todos os momentos. Além disso, varia dependendo de região, idade, gênero etc. É uma questão de bom senso sociocultural não descriminar aqueles que falam de uma maneira diferente, sendo que nenhum está mais certo que o outro.

“Mas, Vitor, isso quer dizer que pode tudo?” Bom, você lembra que neste texto, lá em cima, eu falei de adequado e inadequado, colocando-os como novos conceitos para certo e errado? É preciso saber quando eu posso e quando eu não posso usar tal expressão, quando devo ou não devo me monitorar mais para falar, quando eu devo pensar mais para conversar e quando posso agir com mais naturalidade etc. É preciso analisar a situação em que se encontra. Além disso, a língua escrita também passa por esse processo, ou seja, whatsapp é whatsapp, prova da escola é prova da escola. Não faça sua redação do ENEM como você comenta o post do seu amigo no Facebook. Lembre-se sempre: adequado e inadequado.

Por fim, o preconceito linguístico é mais um na nossa sociedade. É necessário por um ponto final e parar de agir dessa forma. Preconceito é preconceito e todo tipo de coisa que leva esse nome deve ser combatida!

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Vitor Hochsprung – 17 anos – Letras – FURB.