Em seu livro “A República”, o filósofo grego Platão cria um modelo ideal de cidade, no qual o governo seria exercido por um rei-filósofo (adianto que não estou pleiteando nenhum cargo público!), que assumiria a direção da cidade após um longo período de preparação. Seu trabalho deveria ser temporário, uma vez que ele, de modo algum, serve aos propósitos do filósofo. Este, após seu longo percurso educacional, estaria mais interessado na vida contemplativa e de estudos a que arduamente chegou. Mas consente em “descer” para servir à cidade como rei. Findo seu tempo de “castigo”, retornaria contente à filosofia.
Essa ideia do exercício do poder político como um serviço está expressa também no Evangelho. Segundo o Mestre, quem quiser ser o maior deve ser o servidor de todos. Teoricamente, chamamos nossos chefes políticos de “servidores públicos”, e a palavra “ministro”, deriva do latim “ministrare”, que significa “servir”. Mas as semelhanças param no dicionário.
É claro que não podemos imaginar o modelo de Platão como algo viável, o que nem ele mesmo fez. Mas os modelos ideais devem servir, ao menos, para que possamos ter alguma noção do que as coisas deveriam ser, pois, do contrário, acabamos aceitando como correto e normal qualquer tipo de situação.
Na prática, a política, no mais das vezes, esteve a serviço de pessoas e grupos mais interessados em se beneficiar da cidade (“pólis”, a cidade-estado antiga) do que propriamente em beneficiá-la, e isso antes, durante e depois de Platão.
Aliás, o livro de cabeceira dos políticos não é “A República”, mas “O Príncipe”, de Maquiavel, que ensina a conquistar e manter o poder a qualquer custo.
Essas reflexões vêm à tona nesse período eleitoral quando vemos tantas figurinhas carimbadas mostrando a cara novamente ao eleitor, buscando a reeleição ou o retorno a um cargo público já ocupado anteriormente. Imagino que a administração pública seja um terrível ônus para a pessoa, uma responsabilidade enorme, uma exposição excessiva à mídia e aos ataques de adversários, além de todos os problemas práticos do cotidiano, que, a meu ver, fazem do ofício de governar uma tarefa bastante estressante. Mas, paradoxalmente, os ocupantes de cargos públicos fazem de tudo para neles permanecer. Isso demonstra que deve haver muitas vantagens para si e para os correligionários, que igualmente se empenham na permanência ou na volta do seu candidato ao poder. Essa é uma distorção que não devemos ignorar, se entendermos, ao menos idealmente, que o poder é dado a alguém para servir e não para ser servido.