João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Prozac eletrônico

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Prozac eletrônico

João José Leal

Antigamente, quando tínhamos que enfrentar uma longa fila de espera para entrar num cinema, ser atendido por um caixa de banco ou por outro qualquer prestador de serviço público ou privado, o jeito era conversar com a pessoa que estivesse mais próxima.

Neste novo tempo de pós-modernidade cibernética é diferente. Quase não vamos mais ao cinema e vemos nossos filmes em casa, sentados numa poltrona. Da mesma forma, quase não vamos ao banco porque somos todos bancários. Sacamos dinheiro, pagamos com cartão ou Pix, consultamos extrato e saldo e as filas de banco estão desaparecendo.

Na sala de um consultório médico ou outro profissional liberal, então podíamos ler o jornal do dia ou a revista semanal. Depois, veio a TV com suas novelas, documentários e noticiários para ajudar a passar o tempo. Muita amizade também ali começou, nas conversas sobre doença. Afinal, quem padece de um mal está sempre disposto a ouvir o outro. E também a abrir o peito para contar sobre a moléstia que lhe atormenta.

Agora, ninguém olha para a grande tela, ninguém mais lê nem conversa. A sala, mesmo lotada, permanece silenciosa. Nas filas e salas de espera, onde calma e muita paciência é a receita, mal chegamos e mergulhamos o olhar no cristal desse feiticeiro eletrônico que não sai das nossas mãos.

Pelo WhatsApp, o preferido dos internautas de todas as idades, lemos e mandamos mensagens; pelo Google, sabemos das últimas notícias ou assumimos o desafio de resolver um quebra-cabeça que, dizem alguns, faz bem para a memória dos velhos preocupados com o Alzheimer.

A verdade é que muito pouco usamos o celular, como fizemos com o telefone tradicional durante mais de um século, para falar com alguém do outro lado da linha ou do fio. Já não temos mais tempo para conversar ao telefone. Preferimos as mensagens gravadas despidas da espontaneidade e intimidade que envolvem e marcam a conversa entre amigos.

Mais que um simples telefone sem fio, o celular ou telemóvel como dizem nossos irmãos lusitanos, é hoje um poderoso microcomputador de mil e uma funções. Uma delas é de ser uma espécie de psicotrópico do mundo virtual, uma pílula tranquilizante, enfim, um Prozac eletrônico contra a impaciência que sentimos diante de um longo tempo de espera.

E quando temos que esperar, já não nos aborrecemos, não ficamos incomodados. Graças às múltiplas funções da caixinha milagrosa chamada celular, o tempo passa e esquecemos de ficar irritados.

Penso que as secretárias, essas fiéis escudeiras dos profissionais liberais relapsos que não sabem o que é relógio e todos nós também, deveríamos render homenagem ao inventor do celular, esse aparelho de infinitas funções, que nos livra da ansiedade e da irritação diante do tempo de espera.

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