Após quinze anos, governo indenizou apenas 10 ex-proprietários de terras no Parque Nacional da Serra do Itajaí
União tornou a preservação da gigantesca área uma meta, mas ainda não proporcionou estrutura adequada
É mata, muita mata. Mais de 56 mil hectares que ocupam territórios de nove municípios, incluindo Guabiruba e Botuverá. O Parque Nacional da Serra do Itajaí foi criado há exatos 15 anos, mas não é incomum encontrar moradores da região que pouco ou nada sabem da reserva, uma das mais importantes do estado.
O desconhecimento tem suas razões. Sem investimentos suficientes do governo federal, há poucas opções de visitação ao parque. A maioria das propriedades privadas que deveriam ter sido adquiridas pela União continua nas mãos dos antigos donos. Falta estrutura para fiscalizar e punir caçadores e ladrões de palmito.
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Se, por um lado, o decreto assinado em 4 de junho de 2004 possibilitou a contratação de cinco profissionais dedicados a conservar a floresta, a equipe gasta tempo demais tentando coibir caçadores e resolvendo problemas burocráticos.
Outra razão para o desconhecimento da população é a localização do Parque Nacional. Entre montanhas íngremes e cobertas de Mata Atlântica estão trilhas, rios, cachoeiras e uma infinidade de fauna e flora.
“Se fosse uma terra boa para economia formal, o Doutor Blumenau teria explorado a região, estaria cheia de lavoura. Quem preservou a área foi a topografia”, analisa o ecólogo e ambientalista Lauro Bacca, um dos principais defensores da criação do parque, 15 anos atrás.
Avanços e dificuldades
Os analistas ambientais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) fiscalizam, monitoram áreas degradadas e espécies, pesquisam e buscam recursos para construir todo o acesso ao parque. Além disso, são responsáveis por autorizar visitações e promover educação ambiental.
A falta de dinheiro faz com que as desapropriações ocorram em marcha lenta. Em 15 anos, somente 10 propriedades foram compradas pelo governo (o equivalente a 600 hectares). Outras 150 aguardam as indenizações. Ou seja, toda a área é federal no papel, mas na prática ainda há terrenos particulares em uso.
“Criamos critérios de importância ecológica para priorizar uma desapropriação, e não outra. Atualmente estamos com ações no Ministério Público para conseguir vias de recurso, mas é público e notório, e não é de hoje, que o orçamento para questões ambientais é pouco”, resume a chefe do Parque Nacional, servidora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiveridade (ICMBio), Naiana Aranha.
A praga dos caçadores
Entre os que continuam convivendo dentro da reserva, há amantes da caça e também aqueles que denunciam a prática. Naiana conta que, logo após a Páscoa e durante todo o inverno, o crime fica mais frequente.
Com a ajuda da comunidade e da Polícia Militar Ambiental, analistas ambientais do ICMBio verificam denúncias. No entanto, muitas vezes o trabalho se restringe a desmontar barracas feitas pelos caçadores.
“É complicado, a maioria já é conhecida. Pessoas que vivem na região e conseguem escapar porque têm conhecimento da área e provavelmente olheiros, que avisam sobre a chegada da viatura”, detalha o sargento da PMA, Marcos Schmitt.
A PMA tem apenas uma viatura para fazer esse tipo de fiscalização (e atender 16 municípios). Quando consegue prender algum caçador em flagrante, ele é levado à Polícia Federal, responsável por crimes cometidos em áreas da União.
Neste ano foram quatro ligações para o 337-88480, número da PMA, para alertar sobre caçadas.
“Esse número não reflete a realidade, já que a maioria não gera denúncia. O número é bem maior, até pela redução da fauna que tem se notado”, diz Schmitt.
Com a matança, a jacutinga (ave), o porco do mato (conhecido como cateto), o famoso puma, veado e diversos pássaros estão extremamente ameaçados de desaparecer na Serra do Itajaí.
“Nessa região, a caça é uma questão cultural. Mudar isso é muito difícil”, lamenta Naiana.
Exceto os moradores que ainda convivem na área e alertam sobre as ocorrências, não há uma fiscalização contínua. Profissionais da área acreditam que a situação seria diferente se houvesse guarda-parques no local.
“Mas essa profissão nem existe na lista do governo federal. Faz falta ter alguém lá. Até porque se sabe quais são as rotas mais comuns dos caçadores”, revela o professor de Biologia da Furb, André de Gasper.
Ele comenta que a extração ilegal de palmito (alimento de tucanos) também é muito frequente. Diferente das caçadas, normalmente feitas por moradores da região, a extração de palmito é feita por pessoas de outras cidades, como Itajaí e Navegantes, segundo a PMA.
De acordo com o plano de manejo do parque, há mais de 300 espécies de aves na Serra do Itajaí. Quando foram identificadas, há 10 anos, 45 ainda não haviam sido catalogadas na região.
“Um dos caminhos para inibir a extração de palmito e a caça é implementando o ecoturismo”, deseja Naiana.
Ecoturismo como alternativa
Não há um controle rígido do número de pessoas que passam pelo Parque Nacional Serra do Itajaí. No Morro do Spitzkopf, cujo acesso é controlado pela iniciativa privada, são cerca de 20 mil visitantes por ano, número que dá ideia do potencial. Parte do parque ecológico integra a reserva federal.
“A visitação nos parques nacionais brasileiros está crescendo. Imagina se tivéssemos uma estrutura mínima? Potencial a gente tem. Nós só precisamos, de fato, ser donos das áreas, que têm belezas raríssimas. O que falta é investimento”, opina Lauro Bacca.
Para ele, também falta divulgação. O proprietário da agência Target Ecoturismo e Aventura, Juliano Sant’Ana, concorda e defende que este tipo de negócio não só traz benefícios econômicos aos moradores da região, como também inibe más condutas ambientais.
“Quando você está em contato com a natureza, sente os benefícios que ela proporciona e consegue observar os impactos da ação humana. Se o ecoturismo cresce, aqueles que cometem erros se obrigam a deixar de fazer”, acredita Sant’Ana.
A analista ambiental Naiana comenta que o mercado de ecoturismo tem crescido e que há pesquisas que apontam que o governo ganha até sete vezes mais do que investe neste tipo de negócio. Porém, salienta que além de mais incentivo vindo do governo federal, há uma necessária mudança de cultura na sociedade:
“Eu queria que as pessoas tivessem essa mudança de paradigma, de como é importante ter uma unidade de conservação na sua região. Estamos aqui para proteger nosso bem ambiental, que é de todos, e quando a gente conseguir fomentar o turismo, vai movimentar a economia da região”.
Ciência
Entre 2008 e 2018, 205 pesquisas foram feitas no Parque Serra do Itajaí. Um dos impactos positivos para a ciência foi tornar o local mais acessível aos pesquisadores que recorrem ao sistema federal no momento de escolher o campo de investigação.
O inventário florístico florestal de Santa Catarina, elaborado por uma equipe ligada a universidades catarinenses, concluiu que 20% das espécies nativas de plantas estão dentro do parque.
Uma ilha municipal dentro do arquipélago federal
A água que cobre os pés até pouco acima dos tornozelos é uma lâmina transparente e límpida. Ali que nasce o ribeirão do Garcia, em Blumenau. E é dali que vem 22% da água tratada consumida no município.
A abundância do líquido em estado natural deu apelido a um pedaço do Garcia: o Parque das Nascentes. A área municipal está inserida no Parque Nacional Serra do Itajaí. Em tese, pertence ao governo federal. Porém, quem o gerencia é o Instituto Parque das Nascentes (Ipan), através de um termo de cooperação entre o órgão, a Faema e a Furb, além da parceria com o Samae.
A autarquia de água e esgoto tem amplo interesse na preservação do espaço. A Estação de Tratamento 3 capta água onde desembocam as nascentes.
“É uma estação de 350 litros por segundo e ela trabalha na sua plenitude, a gente tem até condição de reservar mais, se precisar”, detalha Guto Reinert, diretor de operações do Samae.
Apenas a ETA 2, na rua Bahia, tem maior capacidade (são 800 litros por segundo). Para contribuir com a preservação da mata e por consequência dos mananciais, o Samae direciona R$ 168 mil anuais ao Ipan.
São 17 sub-bacias hidrográficas que têm inúmeras nascentes ou parte delas no interior do Parque Nacional. No das Nascentes surgem dois ribeirões principais: do Garcia e do Encano.
O Parque das Nascentes é o melhor ponto de entrada gratuito para quem quer visitar o Parque Nacional como um todo. Há estrutura para acesso a mirantes, locais para banho, área de acampamento e educação ambiental. Outras opções, como o Spitzkopf, ficam em propriedades particulares.
Por ser uma ‘ilha’ dentro da área federal, a administração do Parque das Nascentes acaba tendo ligação com o ICMBio. Seja uma manutenção na estrada ou ações que atinjam a floresta diretamente, tudo precisa do diálogo com a equipe federal – ao menos até chegar o dia em que a União assuma de vez o Parque das Nascentes (e indenize o município de Blumenau).
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Objetivos a cumprir
Lá atrás, quando o mar verde se tornou Parque Nacional da Serra do Itajaí, o objetivo era oficializar a preservação. Todo o resto, como construção de infraestrutura para visitação e fomento ao ecoturismo viria como consequência:
“Tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”, diz o texto que institui o sistema brasileiro de unidades de conservação.
Em 15 anos, na avaliação de quem trabalha com o tema, criar o parque foi o passo mais importante, porque tornou a preservação da Serra uma meta comum. Para cumprir o plano inicial, porém, serão necessários investimentos. E esses não têm data para chegar.