Carta de Anita Garibaldi- Parte III
Em maio de 1841, Giuseppe e eu nos desligamos do exército farroupilha. Deixamos o Brasil e partimos para uma nova fase da nossa vida. Ao longo de muitos dias percorremos cerca de 600km a cavalo com o nosso pequeno Menotti nos braços e uma tropa de 900 bois. Fomos até o Uruguai.
Em Montevidéu começamos vida nova e, pela primeira vez, conseguimos ter uma vida em família com relativa tranquilidade. Lá, fui dona de casa e mãe. Nos primeiros tempos, Giuseppe atuou como professor de matemática, mas quando ele passou a ser um líder da independência do Uruguai, nossa casa muitas vezes virou centro de reuniões dos líderes do movimento e eu participava efetivamente definindo estratégias de combate, de igual para igual. Também foi em Montevidéu que, em 26 de março de 1842, Giuseppe e eu formalizamos nossa união perante Deus. O casamento aconteceu na Igreja de San Francisco. Eu tinha 20 anos e Giuseppe com 34.
Nosso amor frutificava e, em 1843, nasceu nossa filhinha Rosita Garibaldi. Ela se parecia muito com o pai. Mas Deus não permitiu que ela ficasse muito tempo conosco e, em dezembro de 1845, ela morreu por asfixia, causada por uma infecção na garganta. Um mês antes da sua morte eu havia dado à luz a nossa terceira filha, Teresita Garibaldi, e a linda bebê ajudou a preencher o vazio da morte prematura da nossa segunda filha. Em fevereiro de 1847, nasceu, também em Montevidéu, o nosso caçula que batizamos Ricciotti Garibaldi.
Giuseppe sentia que era chegado o tempo de voltar para o seu torrão natal. Ainda haveriam lutas para a unificação do país a serem vencidas. Assim, no final do ano de 1847, eu e nossos três filhos partirmos para a Itália. Eu estava então com 26, nosso primogênito Menotti tinha 7 anos, Teresita tinha 2 anos e Ricciotti era um bebê com menos de 1 ano. Giuseppe partiria meses depois para se juntar a nós, e eu só concordei em deixar a América do Sul depois que meu marido prometeu que levaria os restos mortais da nossa filhinha Rosita consigo. Ele cumpriu o que prometeu.
Nós chegamos em Gênova em janeiro de 1848, e nossa chegada foi comemorada pelos locais. De Gênova seguimos para Nice, onde passamos a morar com a minha sogra, Rosa Raimondi Garibaldi. Avó amorosa, foi ela quem cuidou dos nossos três filhos enquanto acompanhei Giuseppe nas lutas pela unificação da Itália.
Giuseppe partiu para a Itália em maio de 1848, seis meses depois que nós, a bordo do navio Esperança, acompanhado de mais de 60 integrantes dos “camisas vermelhas”. Também na Itália fui companheira destemida e, ao lado de Giuseppe, atuei pela unificação e libertação de Itália. Às vezes, me vesti de soldado.
Em fevereiro de 1849 presencie a proclamação da República Romana ao lado de Giuseppe. Mas depois da batalha no Monte Gianícolo em Roma, a invasão franco-austríaca de Roma nos obrigou a abandonar a cidade, dando início à conhecida “retirada de Roma”. Era início de julho e eu estava grávida de 5 meses do nosso quinto filho, e lutava ao lado de Giuseppe em defesa da república. Nos foi proposto um armistício, que recusamos. Com cerca de 4.000 legionários, fugimos da capital italiana. Foram longos e difíceis dias de perseguição e eu comecei a ficar febril.
À medida que o tempo passava, minhas condições de saúde pioravam. Quando chegamos à República de San Marino, decidimos não aceitar o salvo-conduto oferecido pelo embaixador americano e continuar a fuga, pois não teríamos como lutar contra milhares de soldados e, se fossemos presos, morreríamos na cadeia. No dia 31 de julho, partimos de San Marino durante a madrugada, com um grupo de cerca de 180 seguidores remanescentes. Lá eu deixei o lindo vestido preto, de seda, que havia recebido de presente das senhoras de Cetona. Entre os anos de 2022 e 2023, esse mesmo vestido foi objeto de estudo dos pesquisadores da Unifebe, em Brusque.