Há algum tempo, eu estava em uma loja de ferragens e uma pessoa à minha frente havia comprado quatro peças que precisavam, cada uma, de quatro parafusos. A atendente estava tentando fazer a conta para decidir quantos parafusos seriam necessários. O número 16 saltou na minha testa no mesmo instante em que ouvi as quantidades, mas a atendente, mesmo com uma calculadora, levou um tempo considerável para se decidir, informando primeiro que seriam 32 parafusos e refazendo a conta porque a cliente achou muito.
Lembrei-me do episódio por conta de uma tirada que circula pelas redes sociais, comparando as exigências da escola de décadas passadas com a de hoje. Apresenta o seguinte problema, que era dado aos alunos na década de 1950: um homem vende uma carroça de lenha por cem cruzeiros, se o custo é de quatro quintos, quando ele obtém de lucro? Para chegar rapidamente ao número 20, que é a reposta correta, o vivente precisa calcular quatro quintos de cem, que dá oitenta e fazer a subtração. Não é nada de outro mundo, e nossos pais e avós certamente fariam isso brincando. Mas nas décadas seguintes, o problema seria cada vez mais atenuado, por exemplo, dando o resultado dos quatro quintos, para que se fizesse apenas a subtração, ou apresentando alternativas para simplificar ainda mais. Apesar do tom de deboche da brincadeira, a realidade está muito próxima disso.
Nosso cérebro, tanto quanto nosso corpo, precisa de desafios e exigências para poder se desenvolver e aprimorar. Quando tentamos facilitar as coisas para as crianças, nós as prejudicamos, porque tiramos delas a possibilidade de se tornarem autônomas e darem conta dos problemas que a vida fatalmente lhes trará.
No filme “O Preço do Desafio”, que considero o melhor já feito sobre Educação, o Professor Jaime Escalante afirma, numa cena, que os alunos desenvolvem aquilo que esperamos deles, em resposta a uma professora que insistia que os alunos não teriam capacidade para aprender mais. Quando diminuímos nossas exigências, o cérebro das crianças se adapta às facilidades. Não exigir na escola é como fazer exercícios de musculação com halteres de isopor. O tempo passa, mas os músculos e a massa cinzenta atrofiam, ao invés de se desenvolverem.
Por isso sou absolutamente contrário à reforma da língua portuguesa, que pretende “simplificar” nossa gramática, como também as proposta de unificação curricular do MEC, que vai no mesmo sentido.
Essa facilitação, mesmo com a língua portuguesa intacta e o currículo atual, tem produzido uma terrível microcefalia intelectual, porque os estudantes , na maioria dos casos, estão sempre muito abaixo do que poderiam estar, se fossem de fato exigidos. O mesmo vale para o excesso de mimos e cuidados, que criam eternos dependentes.
A facilidade é uma péssima pedagoga. Sem desafios e responsabilidades, ficamos indolentes e folgados. Nossa capacidade intelectual é enorme, mas precisamos de uma boa dose de esforço para que ela se manifeste.