Ah, 1967, que ano incrível para a música… e que ano incrível, que marco para a música brasileira!

Ok, a gente já tinha tido um festival memorável no ano anterior, aquele em que Chico Buarque venceu com A Banda, empatada com Disparada, de Geraldo Vandré, defendida por Jair Rodrigues. Ali, em 1966, a MPB começou a desenhar seu perfil definitivo, válido para as décadas seguintes. Mas foi em 1967 que esse perfil ficou pronto, com todos os seus detalhes – e protagonistas.

O III Festival da Música Popular Brasileira, produção da TV Record (na época, nas mãos do empresário visionário Paulo Machado de Carvalho Filho, conhecido como Paulinho), arrastou de vez para os holofotes uma geração de compositores, músicos, intérpretes e produtores impressionante. Além de tudo, lançou o Tropicalismo para as massas.

Em primeiro lugar… o primeiro lugar. O festival foi vencido por Ponteio, parceria de Edu Lobo com Capinan, interpretada por Marilia Medalha, Quarteto Novo e o próprio Edu Lobo – que vinha de um começo de carreira ligado à Bossa Nova. Ponteio, sofisticada e apontando na direção da mistura com ritmos nacionais, é a própria “música de festival”, com um refrão forte e sua letra que pode ser vista como metáfora política:

Parado no meio do mundo
Senti chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra, nem sol
Nem vento…
Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Prá cantar…

Poderosa. Edu Lobo continua sendo referência na MPB… mas está mais do que na hora de ver a história de Marília Medalha contada para as novas gerações.

Depois… não tem como não embolar o meio de campo e falar, ao mesmo tempo, das músicas que ficaram em segundo e quarto lugares. Porque são, apenas e tão somente, Domingo no Parque e Alegria Alegria. Os primeiros sucessos de Gilberto Gil e de Caetano Veloso. Pausa dramática. Um minuto de silêncio respeitoso.

Não é espantoso que essas duas músicas tenham surgido ao mesmo tempo? Desconfio que, hoje, um produtor mais calejado pela lógica da indústria faria um dos dois amigos deixar de participar… ou participar com uma música mais fraca. Mas os tempos eram outros, mesmo que não tão inocentes quanto a gente costuma achar, à distância. E permitiam que dois companheiros da mesma turma levassem para o palco do mesmo festival duas músicas geniais. Não só as músicas, não só as letras: bem no ano em que a MPB fez uma passeada de rejeição às guitarras elétricas, Gil foi acompanhado pelos Mutantes. O arranjo feito por Rogério Duprat era, segundo Zuza Homem de Mello, musicólogo, jornalista e técnico de som daquela edição do festival, calcadíssimo nos Beatles de Sgt Peppers, que tinha acabado de ser lançado.

Caetano, por sua vez, levou como banda de apoio os Beat Boys (de Tony Osanah). Guitarras e mais guitarras. Mas o carisma do cantor e a maravilha que é a música reverteram a expectativa de vaias. Foi a consagração dos dois baianos.

Vaias eram parte do jogo dos festivais. Mas as mais lembradas de 1967 são as recebidas por Sérgio Ricardo, com Beto Bom de Bola. Muito mais do que a música (ou de que toda a obra do compositor), seu momento icônico será sempre o que atirou o violão na plateia, desistindo de defender sua música.

Opa, mas pulamos Chico Buarque, não pode! Depois da vitória compartilhada do ano anterior, em 1967 todos queriam ver o que o garoto bonito ia apresentar. E ele apresentou nada menos que Roda Viva, junto com seus amigos do MPB4, com aquele arranjo vocal absoluto. Levou o terceiro lugar.

Mas o festival teve muito mais. Teve Roberto Carlos como intérprete da música que ficou em quinto lugar, Maria, Carnval e Cinzas – que era totalmente diferente de seus sucessos da Jovem Guarda. Teve Elis Regina ganhando como melhor intérprete com a lindíssima O Cantador, de Dori Caymmi e Nelson Motta. Teve Nara Leão, cantando junto com o autor Sidney Miller outro clássico da MPB, A Estrada e o Violeiro. Ganhou o prêmio de melhor letra. Também teve Vandré, tentando repetir o sucesso do ano anterior com Ventania.

Ufa. Mesmo com essa enxurrada de nomes e canções que moldaram em uma noite a história da MPB, o ano não se resume ao que foi mostrado no festival. A Jovem Guarda ainda estava no auge e a Globo começava a ganhar o seu quinhão de importância na área da música, com seus festivais. Fica tudo para a semana que vem!

 

Ah, sim… não conta para ninguém, mas tem o documentário Uma Noite em 67 inteirinho no YouTube. Quer? Pode clicar. Não vai dizer que não teve como ver. E é obrigatório, fundamental e importantíssimo, tanto para quem vai relembrar a época como para quem nasceu bem depois.