– Bom dia, pessoal!!! Sejam bem-vindos ao III Circuito de Contadores de Histórias de Jaraguá do Sul!
Assim iniciei minha fala ao apresentar os espetáculos às crianças no evento, mês passado.
– Alguém aqui pagou ingresso?
– Nãããão!
– Ué! Mas quando vocês vão ao cinema, vão entrando, assim?
– Não!! Tem que pagar ingresso…
– E a pipoca?
– Tem que pagar…
– E pro dentista consertar o dente que dói?
– Tem que pagar…
Assim começava o papo didático sobre o mercado das artes, mostrando que o artista, como qualquer trabalhador, atua em troca de dinheiro.
– Bom, se vocês não pagaram ingresso e os artistas que vão se apresentar ganham pra isso, alguém está pagando pra vocês, certo?
Silêncio. Dúvida. Seria o Papai Noel? Ou o duende da floresta?
Assim expliquei aos pequenos que o evento era realizado através um projeto enviado por uma produtora (a Cia Sandra Baron) ao Ministério da Cultura e que o dinheiro para trazer diversos grupos artísticos para a cidade, vinha de Brasília, do governo. Sendo assim, era o governo que estava proporcionando que todos assistissem sem precisar pagar.
Percebo no meu dia-a-dia de artista que esta aulinha não foi dada a muitos adultos. Pessoas que ainda acham que o artista é aquele ser humano feliz por fazer o que gosta e vive de vento. Pessoas que assistem a um espetáculo do Bq(en cena) – projeto realizado pela Prisma Cultural via lei de incentivo – pagando ingresso de 5 reais e fazendo a conta: número de presentes vezes cinco, dividido por seis artistas é igual a uma rodada de pizza. O que dizer então dos incríveis espetáculos do Sesc, que circulam o país inteiro, e todo mundo assiste “de graça”?
Não é de graça. A entrada é franca, porque alguém está pagando pra você. Algum governo, alguma instituição ou alguma empresa.
No mês que vem acontece a oitava edição da Feira do Livro de Brusque, que organizo desde 2009. Toda a programação artística tem entrada franca e o projeto custa 17 mil reais, disponibilizados pelo Fundo Municipal de Cultura, ou seja, pela Prefeitura de Brusque. Porque é assim que se faz cultura, da maneira justa para os cidadãos e para os artistas, que não participam para “divulgar o seu trabalho” ou pelo “amor à literatura”. Isso é outra coisa, é voluntariado, e cabe em diversas situações, mas não em um projeto de política cultural.
– Hummm, então é o governo que dá isso pra gente? Que legal!
E agora, a segunda parte da aulinha: não é presente, é obrigação. Está previsto na Constituição o direito à cultura. Governos atuam em diversas áreas, cumprem leis (ou devem cumprir), e nós, cidadãos, temos que cobrar, temos que criar demanda, exigir nosso direito. Já quando falamos de empresas privadas, trata-se de publicidade e responsabilidade social, quesitos supervalorizados nas empresas europeias, que já preveem nos seus orçamentos anuais o investimento em arte. Sim, investimento. Não é “ajuda”.
Então, quando você é plateia de algum projeto cultural e não paga entrada, está exercendo seu direito. E quando você, que pretende contratar um músico para seu evento, ou quer uma peça na sua empresa, ou uma apresentação na sua escola, contata diretamente o artista, lembre-se: ele vai cobrar!
– Tenham todos um ótimo espetáculo!
Lieza Neves – atriz, escritora, produtora cultural…