Nasci e cresci numa época em que as doenças infecciosas eram predominantes e provocavam uma alta mortalidade. Entre elas, estavam todas as doenças infecciosas da infância, e ainda existia a terrível varíola, considerada extinta a partir de 1979. Quase nenhuma criança escapava de ter caxumba, tosse comprida, rubéola, sarampo, catapora.

As vezes estas doenças complicavam e deixavam sequelas, outras vezes, quando atingiam uma criança desnutrida ou debilitada, levavam à morte.

Naquela época, décadas de 60 e 70, a mais temida era a poliomielite, provocada pelo vírus da pólio, que com frequência deixava severas sequelas motoras e muitas vezes matava.

Cresci numa região tropical onde além das doenças virais e bacterianas eram muito frequentes as doenças parasitárias, não somente as verminoses intestinais, também outras que poderiam levar à morte como a malária, esquistossomose e a leishmaniose.

Além disso, o clima era propício para a proliferação dos mosquitos transmissores de doenças como febre amarela e dengue, doenças que também provocavam muitas mortes.

As doenças virais e bacterianas transmitidas através da água não tratada provocavam muitas mortes por gastroenterite e desidratação na infância.

Ser mãe naquela época era muito mais angustiante, todas elas tinham que estar atentas ao menor sinal de doença dos filhos pequenos. Elas sabiam que talvez a única chance de cura do seu filho dependia de um diagnóstico e tratamento precoce.

Em poucas décadas, essa situação epidemiológica calamitosa, que ceifava vidas e minava a saúde de milhares de pessoas, mudou para melhor. Dois avanços foram fundamentais para a contenção da maioria das doenças infecciosas. Primeiro, o uso crescente da água potável e, em segundo lugar, o uso de vacinas contra as doenças que atingiam e matavam milhares de crianças. Ambas medidas salvaram milhões de vidas nas últimas décadas.

Se a ciência não tivesse conseguido fabricar vacinas eficazes contra a Covid-19, ainda estaríamos vivenciando ondas sucessivas e letais desta doença e o número de mortes teria sido muito maior.

Mesmo com a constatação histórica dos benefícios de vacinas contra dezenas de doenças e as evidências da sua importância para conter a recente pandemia, ainda convivemos com grupos negacionistas, que acreditam que suas crenças tem mais valor que as evidências científicas.

O Ministério da Saúde informa que 77 milhões de brasileiros não tomaram a primeira dose de reforço contra Covid-19 (terceira dose). Sabemos que essas pessoas tem maior risco de ter formas de Covid-19 mais severas.

Além disso, é bem conhecido que quadros graves de Covid-19 tem maior probabilidade de deixar sequelas ou apresentarem sintomas de Covid prolongado. As possibilidades de Covid prolongado também aumentam em pacientes que tiveram Covid-19 por mais de uma ocasião, independentemente da sua gravidade.

Outra das consequências das campanhas dos grupos antivacinas é a baixa cobertura vacinal contra Covid-19 em crianças. Apenas 35,6% das crianças com idades entre 5 e 11 anos tomaram as duas doses. A vacinação de crianças entre 6 meses e 5 anos tem uma cobertura menor ainda.

Além de não termos visto uma ampla campanha publicitária a nível nacional estimulando a vacinação contra Covid-19, é desolador que o Ministério da Saúde ainda não tenha disponibilizado as vacinas bivalentes (que protegem contra a cepa original e subvariantes ômicron BA.1 ou BA.4/BA.5). As vacinas bivalentes são as mais indicadas atualmente como dose de reforço e ainda não estão disponíveis no Brasil.

Pior ainda, as coberturas vacinais do programa nacional de imunização caíram muito nos últimos dois anos, casos de sarampo voltaram a ser reportados este ano, os últimos casos de sarampo tinham sido reportados em 2015.

Tudo indica que a poliomielite pode retornar, as coberturas vacinais contra esta doença estão abaixo de 65%, quando é necessário que seja superior a 90% para ter certeza de uma imunidade coletiva.

A OMS informa que a nível mundial, 25 milhões de crianças deixaram de ser vacinadas no ano de 2021. Essa queda na cobertura não acontecia há 30 anos. Epidemiologistas calculam que as vacinas salvam a vida de 4 milhões de crianças todo ano, algumas dessas crianças salvas podem ser nossos filhos, netos ou filhos e netos de parentes e amigos.

Não há motivos para rejeitar um tratamento preventivo cujos benefícios superam amplamente quaisquer efeito colateral mínimo e passageiro. Com os avanços da imunologia e da oncologia molecular, muitos dos tratamentos contra vários tipos de câncer são a base de vacinas. Essas vacinas ativam o sistema imunológico do paciente para atacar as células cancerosas ou suas proteínas.

São tratamentos altamente eficazes, será que os grupos antivacinas também rejeitam estas “vacinas” anticâncer?

Edward Jenner, considerado o pai das vacinas, idealizou a vacina contra a varíola em 1796, na sua época foi contestado e morreu na solidão e pobre, sua grande contribuição para a humanidade somente foi reconhecida décadas após sua morte.

Após mais de dois séculos do descobrimento da primeira vacina, parece ser que a espécie humana está disposta a rejeitar as evidencias científicas e abraçar o negacionismo.

A nossa torcida é para que nos próximos anos, o Programa Nacional de Imunização do Brasil volte a atingir as amplas coberturas vacinais que o tornaram um exemplo para o mundo. Isso vai exigir um amplo esforço a nível nacional, estadual e municipal.