“O que é que a baiana tem? 


Tem torço de seda, tem! Tem brincos de ouro, tem!
Corrente de ouro, tem! Tem pano-da-Costa, tem!
Tem bata rendada, tem! Pulseira de ouro, tem!
Tem saia engomada, tem! Sandália enfeitada, tem! 


Tem graça como ninguém
Como ela requebra bem!

 

Quando você se requebrar Caia por cima de mim”

 

 

 

Impossível não recordar Carmen Miranda em épocas de Carnaval!

 

Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em Portugal em 1909. Misturada a gente da Lapa Carioca desde o seu primeiro ano de vida, passou a ser Carmen: “a baiana estilizada”, com badulaques, boca vermelha, olhos verdes convidativos. Requebrada em mãos e quadril. No Brasil, era tempo de surgimento do teatro de revista, do cinema, do rádio.

 

Em 1925, adquiria experiência em uma loja de roupas, que logo a transformaria na criadora das vestimentas da sua personagem. Já no ano seguinte, participa como figurante no filme A Esposa do Solteiro (A mulher da meia noite), de Paulo Benedetti. Em 1929, já fazendo chapéus sob encomenda, é descoberta pelo autor da marchinha de carnaval YáYá YôYô (sucesso na voz dela no carnaval da época), o baiano Josué de Barros. Na sequência, passa a cantar na rádio e grava o seus primeiros discos.

 

“Você tem que me dar seu coração…”

(diz o trecho do estrondoso sucesso Para Você Gostar de Mim, que bateu o recorde de 35 mil exemplares vendidos em um mês. Iniciava-se a popularização do samba.)

O padrinho baiano de Carmen descobre o Bando da Lua, que seria o grupo que a acompanharia.

 

Na imprensa da época, em 1930, se falava: na maior cantora brasileira!

(Grava mais de vinte canções, entre tangos e sambas, foxtrot, marchas e lundu)

 

O Brasil se tornava o país do samba e Carmen a musa do país.

(Grava marchas e sambas de Francisco Alves, Noel Rosa, Ismael Silva, Assis Valente, Ary Barroso, Cartola e é acompanhada pelo conjunto Diabos do Céu, de Pixinguinha. Já famosíssima, aparece no documentário O Carnaval Cantado no Rio e na Voz do Carnaval. A estreia de Aurora Miranda no palco é no Teatro Recreio, com participação da irmã Carmen.)

 

O legado de Carmen ultrapassa o seu gingado, em 1933, é a primeira mulher a assinar contrato com uma rádio. No mesmo ano se torna “Embaixatriz do Samba”, após vencer o concurso A Nação-Untisal e embarcar para Buenos Aires.

(Grava alguns de seus maiores sucessos: com Mário Reis, o samba Alô, Alô? de André Filho, e Chegou a Hora da Fogueira, de Lamartine Babo, uma da mais músicas juninas mais famosas de todos os tempos, com acompanhamento dos Diabos do Céu, conjunto de Pixinguinha.)

 

Carmencita, como era chamada pelos “hermanos”, define a temporada de um mês no país vizinho: “Foi um chuá”. Quando volta, estreia em São Paulo com sua irmã. Em 1935, Carmen e sua irmã participam do filme Estudantes e estreia no Alô, Alô Brasil, primeiro filme brasileiro com som direto na película.

(Com a irmã Aurora integra o elenco do Cassino da Urca, casa de Joaquim Rolla que era palco de atrações nacionais e internacionais no Rio. Estreia na Rádio Tupi.)

 

1937: Carmen é sucesso!

(Surgem rumores das idas aos EUA e a Inglaterra.)

Ela eternizou os mais importantes compositores de seu tempo da música brasileira, de Lamartine Babo a Ary Barroso, de Dorival Caymmi a Pixinguinha. O seu amor remetia ao tango, mas o largo sorriso bailava nos braços das marchinhas de carnaval e sambas

 

 

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Jose Luiz Benicio

O que é que a baiana tem?

Em 1939 canta a faixa de Dorival Caymmi, o que a torna mais baiana do que nunca! Mais de 200mil pessoas a ovacionam em concurso de marchinhas carnavalescas. Recebe oferta da Broadway e para que o seu bando vá junto, tem ajuda de custos do governo brasileiro e banca o restante.

“Aqui vai uma cartinha contando-te que a tua amiga, segundo jornais, é a grande sensação da Broadway. A minha estreia foi algo indescritível. Eles não entendem patavinas do que eu canto, mas dizem que sou a artista estrangeira mais sensacional que até hoje apareceu aqui”, escreve Carmen ao seu querido amigo Almirante.

Pelo rádio, manda notícias ao Brasil: “Meus queridos e saudosos amigos ouvintes do Brasil, boa noite. Os aplausos que eu escuto todas as noites na Broadway parecem-me o eco dos aplausos brasileiros, contentes por ver o sucesso de sua música popular nos Estados Unidos. Novamente digo que eu tudo farei para sempre corresponder à gentileza do público da minha terra. Adeus, Brasil. Até a volta e bye bye”.

 

Em 1940, inicia sua carreira cinematográfica nos EUA. Recebe críticas pela elite brasileira e responde com a gravação de suas últimas seis músicas no país, entre elas, o samba “Disseram Que Voltei Americanizada” e o chorinho “Disso é que eu Gosto”; além dos sambas “Diz que Tem”, e “O Dengo que a Nega Tem”.

 

Carmen tem a marca de suas mãos e plataformas gravadas na Calçada da Fama do Teatro Chinês de Los Angeles.E fala ao rádio: “Meus amigos queridos de todo o Brasil. Aqui estou falando a vocês do Chinese Theatre de Hollywood, onde acabo de botar as minhas mãozinhas e os meus pezinhos no cimento. Podem crer que foi um dos momentos mais felizes da minha vida e nesse momento eu juro que pensei em vocês”.

 

Embora fosse uma mulher de “grandes amores”, casou-se apenas uma vez, em 1947, com o único homem, que segundo ela, havia a pedido em casamento.

 

Fica 14 anos sem retornar ao Brasil. Durante este tempo, Carmen filma, canta, se apresenta e inspira até mesmo Walt Disney em suas criações. Compromissos de trabalho, pílulas para dormir e acordar, o ritmo frenético da engrenagem de Hollywood. Em 1954, é buscada pela irmã, para retornar ao Brasil, para tratar uma crise de nervos. Meses após, retorna à terra americana. A pequena notável tinha horror de hospitais e dizia que preferia morrer em um acidente fatal ou em um fulminante ataque cardíaco.

 

 

Em 5 de agosto de 1955, de madrugada, morre em Los Angeles, de enfarte.

 

A portuguesa que nunca foi, carioca da Lapa virada Baiana, “americanizada” na língua ácida da imprensa, retorna ao Brasil de voz muda e pele pálida, irreconhecível aos seus 46 anos. Terra a qual nunca mais deixaria.

 

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Méroli Habitzreuter – escritora, pintora e ativista cultural