Força na peruca, beltranas, fulanos e sicranos. A coisa está ruim… e vai ficar pior. Não é só a proximidade das eleições, que aguça a polarização de opiniões. Não é só a voz que todos ganhamos de presente (presente? Não pagamos por isso?) com o advento das redes sociais. O que parece estar acontecendo é uma impaciência terminal, uma raiva sem freios que aproveita qualquer discordância para se manifestar. Por menor que seja…

Todo assunto, por mais bobinho que seja, pode levar a explosões de raiva e a uma vontade de agredir o coleguinha… que só a frustração explica. Pior: parece que, quanto menos recheado de argumentos, melhor o ataque. A ideia é só desqualificar o adversário (inimigo?) e não discutir ideias. Nem que para isso a pessoa acabe fazendo uso de palavras que valem menos que R$ 1,99. Tipo assim…

Mimimi

Não dá para começar por outra. A gíria moderna que rotula (mas não explica) qualquer coisa como reclamação indevida ou como exagero. Há quem diga que é retrucar demais e, suprema ofensa, é “não aceitar minha opinião”. Chegaremos nisso depois, nesse reinado da opinião oca.

Se você percebe que algo pode e deve ser questionado e expressa isso em um texto, textinho ou textão, as chances são grandes de que alguém venha dizer que você está de mimimi. E só, sem entrar em maiores detalhes. Se duvidar, sem sequer ler seus argumentos, aqueles que você colocou em palavras através do uso dos neurônios. Transformar tudo em mimimi é garantir que o mundo das ideias seja transformado em carne moída duas vezes, sem tempero, pronta para virar um ultraprocessado qualquer.

Problematizar

Mais uma palavra feia, “desqualificante”, porque é usada querendo deixar claro que o questionamento, seja qual seja, é excessivo. Problematizar, em uma definição mais ou menos justa, é usado no sentido de que a outra pessoa está pegando uma verdade aceita, tranquila… e querendo subvertê-la indevidamente. Isso acontece mesmo – e principalmente – quando o questionamento é, sim, devido. Ou necessário, para tirar a poeira de velhas verdades que não cabem mais.

Problematizar, do ponto de vista de quem usa a palavra, é querer criar desavença onde ela não caberia. E por que não caberia? Porque a pessoa que a utiliza – como uma espécie de tampa da discussão – não admite que as suas verdades sejam questionadas. Uma mistura de pensamento conservador com preguiça mental. “Ih, não vem problematizar minhas certezas…”

Vitimismo

Essa é uma palavra feia muito mais… feia. Neste caso, quase sempre, temos um preconceito envolvido. Uma luta justa do tipo contra o racismo, o machismo ou a homofobia – entre muitos outros. O interlocutor resolve usar a manobra desqualificadora dizendo, através da palavra, que quem reclama, reclama sem razão. Que está se fazendo de vítima, quando não é.

Mais: o clichê desta situação é aquele em que a pessoa que saca o ataque do “é vitimismo” não está em condições de analisar a situação sob o foco do preconceito, porque não faz parte do universo de quem foi (aí, sim) vítima do ocorrido. Enxerga as coisas de outro ponto do cenário. Não tem o tal lugar de fala… mas berra que é vitimismo.

Chato

Essa é o pretinho básico das palavras feias: é a mais usada, serve para tudo, cabe em qualquer situação. Qualquer argumento contrário é chato e, claro, a pessoa que o profere é uma pessoa chata. Chata + algum palavrão ofensivo, de preferência.

A coisa anda tão comum que, mais um pouco, ser chamado de chato vai ser um elogio. Fica claro que você está incomodando, digamos assim, na direção certa. Ser chato, atualmente, é ser relevante e inconformista. Sejamos chatos!

Politicamente Correto

Aqui temos um caso de expressões associadas. Primeiro vem “essa coisa de politicamente correto” e logo em seguida emenda “está deixando o mundo chato”. Não seja essa pessoa. O que isso tudo quer dizer é que o mundo era melhor antes, quando ninguém criticava racismo, machismo, homofobia e todas as outras fobias a gente. Achar que é chato ter que pensar antes de falar, pensar até antes de pensar… é ter apego a um passado (passado? Antes fosse!) que precisa ser revisto com uma urgência completa.

Não dá para conviver com as pessoas achando que ofensas, que preconceitos, só por serem costumeiros, estão certos, podem ser replicados e, principalmente, ignorar que são, sim, uma agressão. A expressão “politicamente correto” é de uma antipatia gritante… mas ela tem sua função, nestes tempos em que a gente não tem mais um manual de etiqueta para seguir.

 

Aceita que dói menos

No fim das contas, é isso que os interlocutores modernos querem: que a gente aceite suas opiniões desprovidas de razão, só porque acreditam nelas. Talvez nem saibam os porquês. Se sempre acreditaram em algo, esse algo está certo e não admite dúvidas. Porque… fatos são fatos.

Dizem que a gente pode escolher entre ter razão e ser feliz. Eu acho que a felicidade, dentro do coletivo que hoje vivemos nas redes sociais, é não calar a boca quando tropeçamos em absurdos. É uma escolha, digamos assim, muito pouco zen. Mas, se temos voz e se a nossa voz é diferente da que chama tudo de mimimi, por que não a usar? Que mais não seja, para mostrar que existem outros pensamentos no mundo.


Claudia Bia
– jornalista, comentarista e treteira