Artigo: O Centenário do Padre Guilherme Kleine

Artigo especial escrito por Paulo Vendelino Kons

Artigo: O Centenário do Padre Guilherme Kleine

Artigo especial escrito por Paulo Vendelino Kons

O Centenário do Padre Guilherme Kleine

Historiador Paulo Vendelino Kons

Há um século, na festa litúrgica do apóstolo e mártir São Judas Tadeu, na Alemanha, no estado de Renânia do Norte-Vestfália, na região administrativa de Detmold, no distrito de Paderborn, na cidade de Büren nasceu um menino que intensamente marcou a história de Brusque e da região: Guilherme Kleine, filho de Anton Kleine e Anna Koesters, nasceu em 28 de outubro de 1914.

Quem transita por Azambuja e se depara com oMorro do Rosário, o Edifício do Peregrino, o imponente prédio do Seminário Menor Metropolitano Nossa Senhora de Lourdes, visualiza obras que marcam a dimensão empreendedora do Monsenhor Guilherme Kleine. Antecipando-seàs necessidades vindouras, promoveu também aampliação do Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux, duplicando sua capacidade. De sua iniciativa a aquisição da fazenda do Brilhante, em Itajaí,garantindo a produção de alimentos para as obras de Azambuja. A organização das Festas de Azambuja também marcou sua gestão, pelos excelentes resultados auferidos a partir dos laços de amizadeque vinculavamPadre Kleine à comunidade brusquense e regional.E ao final de sua vida, Monsenhor Kleine encerrou o ciclo da lendária caleça de Rodolfo Pruner, que foi utilizada pela última vez no seu sepultamento, tendo uma multidão acompanhado o féretro até ao Parque da Saudade. Kleine foi o primeiro Padre e a terceira pessoa a ser sepultada no Parque da Saudade, que fora por ele idealizado, seguindo o projeto dos modernos cemitérios-jardins então florescentes na Alemanha.

Padre Kleine e a comunidade brusquense

Padre Kleine possuía relação de amizade com as principais lideranças políticas, empresariais e sociais de Brusque e, ao mesmo tempo, era próximo das famílias mais humildes.

Motivou o filho do Cônsul Carlos Renaux, Guilherme (Willy) Renaux, a assumir a presidência da comissão responsável pela edificação da nova Igreja Matriz São Luís Gonzaga e recomendou que Willy Renaux fosse a Blumenau dialogar com o arquiteto Gottfried Böhm (nascido em 1920 na cidade de Offenbach, que após servir no exército alemão entre 1938 e 1942, e estudar arquitetura entre 1942 e 1946, em Munique, trabalhou em Nova York na década de 50 e esteve viajando pelo Vale do Itajaí entre 1952 e 1955), que além da igreja de Brusque, projetou a Matriz de Blumenau (atual Catedral São Paulo Apóstolo).

“Nos 28 anos em que juntos convivemos, conhecemos bem a grandeza de sua alma e a capacidade de seu trabalho. Tinha como lema principal o progresso e a ajuda ao próximo”(Industrial Carlos Cid Renaux, nos funerais de Monsenhor Kleine)

Monsenhor Kleine foi conselheiro informal do Prefeito Antonio (Neco) Heil e do capitão de indústria Carlos Cid Renaux, segundo informa o professor Aloisius Carlos Lauth. Alemão turrão, sabia ser muito humano ao perceber a necessidade de auxílio das pessoas. Lauth relata que a chácara que a Mitra possuía em Santa Terezinha e administrada por Kleine lhe granjeara grande estima das famílias da região. Semanalmente se encontravam em casas familiares, com maior frequência na residência do vendeiro Torresani. Num destes encontros, Kleine teria afirmado que um filho do vendeiro, Hilário Torresani, não estava no ramo certo, pois atuava no transporte e se afastava muito da família e os negócios não iam bem. Hilário Torresani teria respondido que “por causa dos alemães” que administravam uma cervejaria em Joinville ele não recebera a representação dessa cervejaria para o Vale do Itajaí. Quinze dias após, Kleine se reúne com a cúpula dos alemães da cervejaria em Joinville e retorna a Brusque com o acerto de que Hilário Torresani passaria a ser o representante para o Vale. E o negócio de tal forma prosperou que em 1984, quando a Oktoberfest não passava de uma ideia, Hilário Torresani fez parte do investimento e garantiu todo o fornecimento de bebidas, além dos serviços e logística necessários para a festa ser um sucesso. Assim Torresani garantiu a realização das três primeiras edições da festa de outubro em Blumenau.

 

Padre Kleine e a fundação da Irmãos Fischer

Foi relevante a participação do Padre Kleine no crescimento da empresa Irmãos Fischer S/A Indústria e Comércio, fundada em 7 de janeiro de 1966, e que visava inicialmente o conserto de alguns eletrodomésticos e bicicletas, e posteriormente a fabricação de pias de aço inoxidável e de forninhos elétricos, para uso doméstico. Diretor Presidente da Irmãos Fischer, Ingo Fischer relata que “entre as personalidades que tiveram maior influência na trajetória da nossa empresa, há que citar duas figuras de muita importância nos primeiros anos e que se tornaram grandes alavancas do nosso desenvolvimento, por acreditarem em nosso potencial e credibilidade: em primeiro lugar, o Revmo. Pe. Guilherme Kleine, então Diretor do Hospital de Azambuja para quem fazíamos artigos (mesas, pias etc.) de inox e o qual muito nos apoiou, nos primeiros anos, na consecução de crédito junto aos fornecedores”.

 

Padre Kleine introduziu várias inovações tecnológicas em Brusque. Para a produção do programa Minutos em Família, apresentado pelos Padres de Azambuja, especialmente Padre Cláudio Jeremias Cadorin, na Rádio Araguaia, Kleine trouxe da Alemanha um gravador de rolo, que também era utilizado pela emissora de rádio em outros programas e coberturas jornalísticas.

 

A construção do Seminário de Azambuja

A inauguração do Seminário Menor Metropolitano Nossa Senhora de Lourdes,em 7 de setembro de 1964, no exato dia em que Dom Joaquim Domingues de Oliveira comemorava o jubileu de 50 anos de sua posse como Bispo de Florianópolis, homenageou o ilustre prelado mas sobretudo distinguiu a capacidade realizadora de Padre Kleine.

Dom Joaquim – que nascera em Vila Nova de Gaia, Portugal, no dia4 de dezembro de 1878 e faleceu em Florianópolis no dia 18 de maio de 1967 – foi a personalidade que marcou mais intensamente a Igreja Católica em Santa Catarina. Foranomeado bispo em 2 de abril de 1914 e empossado em 7 de setembro do mesmo ano, na então diocese de Florianópolis, que compreendia todo o Estado de Santa Catarina. Elevada a Arquidiocese em 17 de janeiro de 1927, foi o primeiro arcebispo de Florianópolis e permaneceu no cargo até 18 de maio de 1967, quando foi velado no Palácio Cruz e Sousa e sepultado com honras militares.

A partir do ano de 1952,Dom Joaquim manifesta a vontade de aumentar o prédio do Seminário de Azambuja (atual Museu). Vigário geral da Arquidiocese, Monsenhor Frederico Hobold inferiu que não seria adequada a ampliação, mas uma nova edificação e solicitou aos padres que encaminhassempropostas de um novo prédio para o Seminário ao Arcebispo, a título de sugestão. No ano de 1955 a ideia adquire concretude, após o Padre Kleine, ecônomo de Azambuja, receber aprovação entusiástica de Dom Joaquim para a planta do novo prédio. Uma edificação moderna, àaltura das exigências dos novos tempos.

Em 15 de agosto de 1957, na Solenidade da Assunção de Nossa Senhora ao Céu, é lançada a pedra fundamental do atual Seminário, integrando a programação da festa de Nossa Senhora de Azambuja. A obra foi projetada pelo engenheiro civil Antonio Victorino Ávila Filho e executada pelo construtor João Martin Backes.

Em fevereiro do ano do Centenário de Brusque, metade do novo prédio do Seminário estava erguido e passa ser utilizado, sendo o antigo prédio do Seminário desocupado. O espaço anteriormente utilizado pelo Hospital e, a partir de 1927, pelo Seminário foi transmudado pelo Padre Raulino Reitz no Museu Arquidiocesano Dom Joaquim, inaugurado na noite que antecedeu a efeméride magna do primeiro Centenário de Brusque, celebrado em 4 de agosto de 1960.

Mas o dínamo da construção do imponente Seminário uma vez mais era o Padre Kleine. Segundo registra o historiador Padre José Artulino Besen em sua obra Padres da Igreja Católica de Santa Catarina, “para a obtenção de recursos, Pe. Kleine bateu às portas da Igreja alemã, do governo federal e estadual brasileiros, das paróquias, lançou rifas, campanhas, bateu em todas as portas. A construção não sofreu interrupção e foi concluída sem dívidas”.

Com uma singular solenidade em 7 de setembro de 1964, marcando o áureo jubileu episcopal e tomada de posse em Florianópolis por Dom Joaquim, o Arcebispo inaugura o novo prédio do Seminário, um dos mais famosos e modernos do Brasil. O estaqueamento da nova construção compõe-se de 446 estacas de 12 metros de profundidade, encimadas por 197blocos de cimento interligados por vigas de apoio. Tem 17 metros de altura, fora o porão. Conta com 18 metros em média de largura. Após pouco tempo de sua inauguração, as instalações foram utilizadas por mais de 200 seminaristas que lá estavam matriculados.

Azambuja antes e após a gestão Kleine

Dentre as obras do Padre Kleine, destacamos também o Morro do Rosário, com o conjunto escultural dos mistérios do Rosário, projetado e inaugurado para a celebração do Ano Santo Mariano de 1950. Para o atendimento aos peregrinos que chegavam dias antes para a festa de 15 de agosto, em 1952 foi construído o Edifício do Peregrino, que também servia de Salão de Atos do Seminário. Em 1963, Monsenhor Kleine iniciou as obras de ampliação do Hospital, duplicando sua capacidade.

“Azambuja sentiu transformar-se inteiramente nesses últimos 23 anos, com teu trabalho e dedicação. E todos o sabem e veem!”

(Padre Vitus Schlickmann Roetger, Reitor do Seminário e do Santuário de Azambuja, em 9/1/1972, no Parque da Saudade)

Adquiriu,em 1966, a fazenda do Brilhante em Itajaí, objetivando produzir alimentos para as obras de Azambuja. Conforme descreve o historiador Padre Besen, sob a liderança de Monsenhor Kleine “a área física de Azambuja foi transformada: em algumas semanas máquinas e tratores cortaram morros, aterraram o Vale, as ruas foram traçadas e ajardinadas. O ambiente tornou-se mais iluminado, salubre. Com isso, o antigo Cemitério, na colina em frente ao Seminário, foi arrasado. A administração de Azambuja cedeu uma grande área que foi terraplanada e inaugurada como Cemitério municipal Parque da Saudade, em 1970”.

Homenagens em Brusque e Itajaí

Através da Lei Municipal nº. 1.153, sancionada pelo prefeito José Celso Bonatelli no Dia de São Luís Gonzaga (21 de junho) de 1984, o Poder Público homenageou Monsenhor Kleine. No seu artigo 1º. a lei estabelece que “Fica denominada Praça Monsenhor Guilherme Kleine o logradouro público situado entre o Seminário, a Igreja e o Hospital Arquidiocesano de Azambuja”.

Também o município de Itajaí, através da Lei nº. 5.563, de 15 de julho de 2010, sancionada pelo Prefeito Jandir Bellini, homenageou Kleine com a denominação de rua em Arraial dos Cunha, com início na rodovia Antonio Heil.

Em 1962, ao então Cônego Guilherme Kleine foi outorgada a honraria de Cidadão Honorário de Brusque, através da Lei Municipal nº. 98/62.

 

Da Alemanha para Brusque

Guilherme Kleineveio para o Brasil com 19 anos. Realizou seus estudos seminarísticos com os Missionários do Verbo Divino(SVD), em Minas Gerais e posteriormente em São Paulo, até 1939. Foi acolhido na Arquidiocese de Florianópolis e ordenado Padre por Dom Joaquim Domingues de Oliveira no Santuário de Nossa Senhora de Azambuja, em plena II Guerra Mundial, no dia 10 de dezembro de 1944. E em Azambuja permaneceu ao longo de seus 28 anos de vida sacerdotal. A vida de Padre Kleine, como era conhecido, é inseparável da história de Azambuja. Quando de sua morte, o Arcebispo Metropolitano Dom Afonso Niehues lembrou que o trabalho de Kleine resultou em “obras de grande valor, que se constituem em verdadeiros monumentos de beleza material e espiritual”. Desde 1949 até sua morte, Kleine foi o procurador dos bens da Mitra metropolitana em Azambuja. No Seminário foi professor (1945-1961), prefeito de disciplina (1947-1948), ecônomo (1949-1972) e vice-reitor (1959-1966). Monsenhor Kleine foi um homem vibrante, um sacerdote consciente de seus deveres para com Jesus Cristo e a comunidade.

O historiador Padre Besen escreve que “reconhecendo seus trabalhos, Dom Joaquim deu-lhe os títulos de Cônego Catedrático (1959) e Monsenhor (1965). Pe. Kleine passou a ser Monsenhor Kleine, figura popular em Brusque.Era um administrador, mas, sobretudo, era padre. Todo dia, pelas 6h, celebrava a Eucaristia no altar de São Judas, seu padroeiro. Generoso, não tinha outro objetivo que servir. Nos finais de ano, ao apresentar os débitos de cada seminarista, chamava todos à responsabilidade e repetia que “Deus dá a vocação, mas também dá o vintém”. Durante vários anos, na década de 60, dirigia-se a Antônio Carlos no último domingo do mês para celebrar a Missa para os colonos de língua alemã”.Também visitava e celebrava Missa para os imigrantes alemães e descendentes da comunidade Braço Canoas, em Luís Alves.

Monsenhor Kleine aposenta a caleça do Pruner

Para a realização de exames de rotina, na tarde do dia 7 de janeiro de 1972,Monsenhor Kleinefoi internado no Hospital.  Nada indicava um fim tão próximo: às 2h da madrugada do sábado chuvoso, dia 8, foi encontrado morto, vítima de infarto, aos 57 anos. Uma perda irreparável e dolorosa para todos, especialmente para a Igreja.

O povo brusquense o chorou como um amigo que se perdia e em grande número acompanhou o féretro ao Parque da Saudade. Esse novo campo santo, inaugurado, mas rejeitado pelos brusquenses porque solitário, foi finalmente aceito: ali estava enterrado Monsenhor Guilherme Kleine.

“Monsenhor Kleine sentia-se feliz em ver realizado seu sonho e aqui nesta aprazível colina surgia o tão esperado cemitério.”

(Prefeito Municipal José Germano Schaefer, em 9/1/1972, sobre o trabalho de Kleine para a implantação do Cemitério Municipal Parque da Saudade, em terreno que em nome da Igreja Católica o Monsenhor doara ao Município de Brusque)

Em seu livro Sentinela do Passado II, o professor Laércio Knihs relata que “uma de nossas tradições marcantes foi a carruagem fúnebre, chamada de caleça. Pobres e ricos não dispensavam o serviço funerário nesta monumental carruagem negra. Imponente, toda trabalhada e torneada na sua construção, pintada com verniz negro brilhante, dava um tom austero nas cerimônias fúnebres. Durante 34 anos ela transportou nossos falecidos, católicos e evangélicos, às suas últimas moradas. O hábito era a caleça puxar o cortejo e todos os participantes, a pé, seguiam até ao cemitério, numa reverência bonita ao falecido. Os carros ficavam em casa.

Rodolfo Pruner era o proprietário da carruagem e sua presença na condução do veículo era ponto de honra, de terno preto e gravata. A parelha de cavalos era do mesmo modo negra e impecável, limpa e lustrada até as patas. Era um capricho que seu Rodolfo nunca desprezou. Seus filhos, Erna e Chico, lembram que o primeiro funeral que seu Rodolfo realizou, utilizando a caleça, foi para sua vizinha senhora Agnes Wagner Ulber, progenitora do nosso querido expedicionário Kurt Ulber, que lembra com pesar este acontecimento: 17/09/1938. Como foi o primeiro enterro, seu Rodolfodispensou o pagamento. Seu último enterro foi realizado em 1972, ocasião em que transportou o padre Kleine até o cemitério. Este sacerdote foi grande benemérito do complexo hospitalar e religioso de Azambuja. Vieram as funerárias e com elas o carro a motor e lá se foi uma das nossas mais autênticas tradições. A caleça está hoje na Casa de Brusque, doada pela família. Descanse em paz!”.

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