Aproveitamos o Dia da Criança para mergulhar em facetas das nossas infâncias e na infância atual, nas páginas Beltranas de ontem. Hoje, trazemos para cá metade das histórias que publicamos. Amanhã teremos a segunda parte! As ilustrações, hoje e amanhã, são da Silivia Teske.
Balanço
O vento desmanchava os ralos cabelos e seu ruído se confundia com as risadas. Eu estava junto com eles. Nós todos amontoados naquele balanço seguro apenas por fios grossos de arame que já estavam enferrujados.
– Mais alto!!! Mais alto!!! – gritávamos alegres.
E o balanço ia, cada vez mais alto. Entravamos no vazio…para além daquele barranco em que o balanço estava instalado.
– Mais rápido! Mais rápido!!!
Ia e vinha. Ia e vinha…A velocidade estonteante. Éramos seis. Os menores sentados no colo dos maiores. Agarrados de qualquer jeito para não se soltarem. A gritaria cada vez mail alta, cada vez mais forte. Um turbilhão de adrenalina misturada com a sensação de êxtase e liberdade.
E então, um leve ruído, um estalo… lá no alto, de pernas para o ar. Uma reviravolta e todos de cabeça para baixo a olhar o céu azul. Um instante de puro silêncio. Um segundo de suspense…e então, a queda.
Rápida. Quase longa. No espaço vazio após o barranco. E o grito metálico. Muitos metais em sintonia formando uma orquestra irreverente.
O baque.
O susto.
As risadas!!!!
O gosto de sangue misturado a areia, ao capim, as lágrimas de dor. Nada no entanto imaculava a aventura. Éramos heróis voadores. Joelhos e cotovelos arranhados. A boca com barro dentro. Alguns com os pés torcidos. Outros com os cabelos molhados da lama. Os pequenos ainda assombrados se admiravam da valentia dos maiores.
Levantamos rápido. Subimos o barranco decididos. E fizemos novos nós nos arames arrebentados. E dispostos e corajosos, nos sentamos todos no balanço de novo, para um novo voo….
Ser criança é essa maravilha do confiar em si. Confiar que por mais que as coisas possam não dar certo da primeira vez, há sempre uma segunda para tentar. É não se acovardar diante de respostas imprevistas, mas ver nelas um desafio. Tento sempre recordar a criança que fui, moleca, sem cor-de-rosa nem lacinhos…mas feminina o suficiente para brincar de viver.
Silvia Teske – artista
De marré decí
Eu nem tinha TV no quarto. Computadores e celulares não existiam. Meu desejo em um aniversário era a boneca que batia palmas e cantava “Parabéns a você”, movida à pilha. Meus pais regularam contas e eu ganhei.
Eu juntava tocos de madeira, sobras do piso da casa, e construía castelos. De retalhos fazia roupinhas para as bonecas. Com um pedaço de lona preta fiz uma cabana presa nos abacateiros do terreno ao lado. Lá, passava as tardes. Vivia suja de barro.
Meus cadernos eram comprados em lojas de atacado, encapados com papel de presente da loja da mãe ou papel contact colorido. Não tinham capa dura nem personagens de desenho animado. A caneta era bic, normalzinha, não fazia parte de um kit comprado em papelaria.
Picava folhas e pétalas, criava comidinhas. Mas não eram de comer, eram de brincar. No lanche da tarde tinha goiaba vermelha, ou ameixa roubada da vizinha. Uma vez o vô cozinhou mingau de maisena, numa panelinha bem velha.
Na varanda a rede amarela virava navio naufragando em alto-mar. A bola de vôlei furada era ainda boa de jogar, e fazíamos do portão de casa a nossa rede. Dois pra cada lado. Um time dentro do terreno e o outro na calçada.
Nunca ia à cabeleireira. Quem aparava minhas pontas e franja era a tia Nena. Ela também fez uma fantasia de carnaval, realizando meu sonho de ser bailarina por uma tarde. Me pediu pra calçar as sapatilhas brancas, passou cola e jogou glitter roxo, combinando com a saia de tule.
Os brinquedos quebrados e velhos, esquecidos, foram parar numa caixa de papelão que iria para o lixo, segundo minha mãe. Mas ela levou a caixa pra casa da vó, onde ganhou mais objetos: potes de sorvete, tampas, enfim, cacarecos sem utilidade. Num domingo fomos almoçar lá. Eu e meu irmão sentamos no chão da garagem, viramos a caixa, e brincamos por horas e horas com aquele monte de brinquedos que tinham magicamente se transformado em novidade.
Tive uma infância regada à riqueza que, hoje, ostento sem pudor.
Lieza Neves – produtora cultural e escritora
Ser criança … e ter seu dia 12!
Sou de família italiana, sim, daquelas cujo bisavô ou bisavó desembarcaram de um navio em um porto por aqui e adaptaram seus nomes italianos por um mais abrasileirado para soar melhor!
Quando criança me encantava, e ainda hoje tanto a criança quanto a adulta que habitam em mim se encantam, com massas, tomates, gente reunida falando alto e soltando um palavrão de lavar alma, e com aquele tipo de família (o meu tipo) que tem muuuuuitas crianças, e que não importa o quanto se tenha na carteira, criança é criança e tem que ganhar presente no dia 12/10 e comer o que quiser … e não valem roupas embrulhadas ou comidas saudáveis, é o dia delas, portanto, podem tudo e devem, neste dia pelo menos, esbanjar alegria!
Vivi muitos dias assim, nos meus muitos dias de criança (ainda tenho alguns), e este ano, estando neste 12/10 justamente na Itália que me traz tantas referências e que confesso nem sei se tem seu dia 12, vou me dar um presente de criança, e vasculhar dentro de mim em busca daquela alegria genuína que tantos dias 12 me trouxeram! Não vai ser difícil!
Sandra Tomasoni – advogada