Nossos pais e avós certamente passaram por isso em suas infâncias: declamar um versinho. Seja na escola, em homenagem à pátria, ou em casa, para mostrar às visitas, dizer poesia já foi muito mais cotidiano. Instigar a memória a guardar uma sequência de palavras, interpretá-las e dizê-las com sentido, apropriando-se delas, foi prática medieval e ganhou os salões da realeza por muitos séculos.

A poesia nasceu para ser dita, para soar. A escrita é um registro para que o tempo não apague nem distorça. Porém, em nossa geração da imagem, da veracidade à prova do papel, oportunidades de ouvir e dizer poemas são cada vez mais escassas.

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Guardado na memória

Minha afinidade com a declamação surgiu no colégio, na quinta série, quando apresentei uma peça de teatro chamada “Quem roubou o meu futuro?”, de Silvia Orthof. O texto era todo rimado e a minha parte bem comprida. Lembro de andar por um corredor longo em casa, com o papel na mão, decorando cada frase. Foram muitas idas e vindas e algumas partes da peça ainda estão memorizadas. Aliás, anos mais tarde fui descobrir o significado de “saber de cor”: para os gregos antigos o órgão responsável pela inteligência era o coração, que originou a palavra latina “cor” (com som aberto). Em outras línguas essa relação também se mantém quando se designa algo que se sabe de memória. É o caso do francês “savoir par coeur” e do inglês “to know by heart”. Ainda no colégio, uma outra peça que participei tinha um verso do Vinícius de Moraes, que não era interpretado por mim naquela ocasião, mas que “sei de cor” até hoje.

Ao Pé do Ouvido

Anos depois, o contato com a poesia falada se estreitou por meio do Sesc e um projeto lindo chamado “Poesia ao Pé da Lua” – que infelizmente não existe mais. A proposta era a de justamente falar versos às pessoas nas ruas, nas empresas, nos shoppings. Durante quatro anos, com meus colegas Emiliano e Patricia Souza, preparei e declamei um repertório variado de poemas e assim, pude, de fato, fazer disso um ofício. Em 2014 montei o espetáculo “Palavra de Mulher”, com poesia e composições de autoras brasileiras, e dividi a cena com a cantora Giana Cervi e, novamente, a Patricia.

Em 2017, com o músico Marcio Bicaco formei o Consonante Duo – poesia e percussão, que vem se apresentando em diversas cidades catarinenses. Faremos duas apresentações neste mês em Brusque pelo projeto Teatro Triplo, da proponente Catiane da Cruz, selecionado pelo edital do Fundo Municipal de Cultura. No dia 21 apresentamos “Desata: nós”, formado por poemas de autores de língua portuguesa e, no dia 22, estreamos o “Sarau para crianças mal comportadas”, voltado ao público infantil.

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Ah, vai dizer

Como parte do projeto, a quem tem vontade de falar poesia, estarei compartilhando algumas experiências e conteúdos na oficina de Declamação, que ocorrerá em dois encontros e terá um encerramento com apresentação aberta ao público. Neste domingo, dia 9, vamos exercitar a Oralidade, Vocalização, Texto e Intenção. No domingo seguinte (dia 16) vamos selecionar textos e prepará-los para um sarau, que será no dia 23. Os encontros acontecerão das 14 às 18h, no Underline Studio (Rua Felipe Schmidt, 56 – sala 31B, Centro) e os participantes receberão certificado. As inscrições podem ser feitas por este formulário e são gratuitas, como todo o restante da programação do projeto.

 


Lieza Neves
– atriz, escritora e produtora cultural