Instalações gigantescas, impactantes: “escorrem gritantes pelas densas e quentes areias do deserto americano”. Pessoas nuas, corpos pintados, carros e barracas enfeitadas. Performers e pessoas fantasiadas perambulando por todo lado. O retrato anual que pinta a cara do Festival “Burning Man”, em dias em que todas as línguas são provocadas a se expressar criativamente.
Vários mitos se confundem ou se enroscam entre as explicações do sentido deste evento, alguns acreditam que seja pagão, outros, uma memória do Woodstock dos anos 90, ou ainda um festival hippie libertino. Talvez, um experimento social, uma alternativa da contracultura, um escape para a uniformidade da cultura de massa. Uma forma de, existir na ausência do comércio, possibilitando a inclusão radical, não deixando rastros no meio ambiente, de presentear os outros e viver o espirito de comunidade, por pelo menos, 10 dias.
Uma agressão, frenética e excêntrica! A quem?
O “Burning Man”, acontece anualmente, nos meados de setembro, no deserto de Nevada (EUA), onde se constrói uma cidade chamada “Black Rock City”. Os participantes relatam que, embora a cidade criada seja excêntrica, não há violência e brigas. Em 2015 o festival reuniu cerca de 70 mil pessoas.
O primeiro registro deste evento foi no ano de 1986, em Bake’s Beach, em plena cidade de São Francisco. Dois homens construíram um homem de madeira para queimá-lo. Cerca de 20 pessoas assistiram o ato. Embora o início tenha sido modesto, o evento se repetiu todos os anos, até que em 1990 foram impedidos pela polícia de queimar a escultura, o que fez com que se mudasse o local do festival.
O festival funciona na máxima da liberdade de expressão para todos os participantes. A organização interfere o mínimo possível nas atividades do evento. Não se encontro lojas, barraquinhas vendendo lembranças, comidas ou… o que faz jus a bandeira erguida contra o consumismo. Os participantes trazem de casa todos os mantimentos dos quais irão precisar e vivem estes dias acampados em um semicírculo.
Todos se locomovem de pé ou de bicicleta e, para tomar banho, existem piscinas naturais e sanitários móveis espalhados nas areias do deserto. Realmente, este evento tem tudo para ser uma experiência social, agressiva e impactante. De difícil sobrevivência para os que não se libertam das suas condições morais, culturais e sociais. Um ousado teste de sobrevivência em meio as ideias da contracultura.
Burning Man, por Tito Rosemberg:
“Há anos ouço falar do maior festival de arte e livre expressão radical do mundo, que reúne anualmente no deserto do Nevada mais de 23 mil anarquistas, poetas, alternativos e sonhadores. Três anos atrás participei pela primeira vez, acampado durante uma semana no leito arenoso de um lago seco cercado de montanhas cor de rosa, amarelas e vermelhas. Nunca mais deixei de ir, mesmo tendo que passar grandes dificuldades, como o calor alucinante, o vento enervante que deixa poeira até na alma e o anti-ritmo alucinante de um dia a dia (ou será noite a noite?) que não cessa de surpreender. Em Burning Man esqueço o convívio com o mundo careta e repressivo que sufoca a auto expressão e embota a criatividade e encontro as pessoas mais espontâneas do planeta. Apenas um “bicho-grilo” no meio de tantas “metamorfoses ambulantes”, lá carrego minhas baterias para aguentar mais um ano de racionalidade e limitações impostas pela hipocrisia da sociedade faz-de-conta aqui de fora. Durante uma semana todos esquecem a noção de ridículo e soltam-se numa grande manifestação de que o lema “paz e amor” dos anos 60 ainda é possível. Na verdade, o que me seduz em Burning Man é ver acesa a chama da utopia, num mundo cada vez mais passivo, onde os jovens não questionam mais nada e entregam-se ao consumismo e a atividades esportivas autodestrutivas. ”
Méroli Habitzreuter – escritora e ativista cultural