Naquele espaço ela as vezes se conformava… mas na maioria das vezes o quarto parecia grande demais. Então, abismada e forasteira, inventava um castelo particular. Havia um mosquiteiro antigo, de tule de algodão… (não era desses tules sintéticos de hoje…). Era armado, amarelado e quente, de trama que aquecia, dotado de memórias e possibilidades. Após armá-lo ao redor da cama, ela possuía um reino. Dentro dele seus bonecos personagens, seus livros, a coberta de pena que simulava a neve… Ali ela tinha poder, e menos medo. No mais da casa, as coisas se repetiam com os estalos da madeira… o calor infernal do verão e o frio de rachar no inverno. Apesar de viver assombrada por fantasmas desconhecidos, era seu lar e  sendo filha única, amava cada pedaço dele. Durante o dia enfiava-se embaixo da casa, naquele espaço inventado, e criava com areia e pedras cidades mirabolantes e avenidas e ninhos…escondia-se dos primos, das primas, das avós. Naquela solidão procurada tinha um mundo só seu e que lhe bastava. Somente quando a noite despontava, e podia correr descalça na grama e enfiar-se nos pés de laranja a olhar tudo de cima e principalmente a mãe que chegava do trabalho cansada…somente então ela descia, e de olhos arregalados, subia os degraus daquela casa com porta pela metade, e abraçava, e beijava e era a mais feliz das moradoras. Imiscuía-se na sala do divã vermelho… onde só ele e a vitrola com móvel antigo persistiam tocando discos bolacha, grossos, com tangos e cavaleiros a galopar como histórias. Não havia tv, somente as músicas, as novelas de rádio…O pai que lhe dava na boca a comida que resistia em comer, sentada naquela cadeira alta de menina… ele, que tinha o cuidado de espremer limão laranja a cada bocada, com cuidado de afeto. Nesta casa, foi o momento em que o pai foi mais presente. Havia o colo, o carinho, o sorriso. E então, a medida que foi crescendo a casa pareceu ficar menor, já não cabia em seus quartos, e os sapos em volta da casa lhe diziam que estava na hora de sair, e procurar um príncipe. Já não pertencia àquele emaranhado de aberturas, de janelas obscuras…necessitava sair, antes que a casa a tomasse de vez, e ela se conformasse com a confortável varanda de cadeiras de pano, vendo a vida passar por detrás do muro.

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Silvia Teske – artista