Localizada no coração de Brusque e único Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica de Santa Catarina, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Chácara Edith será tema de cinco reportagens especiais do Município Dia a Dia. Cada uma delas tratará de pontos específicos do local. A matéria de hoje, que inaugura a série, aborda a história da RPPN.


Embora as discussões sobre a importância de preservar a natureza tenham iniciado apenas nas últimas décadas, principalmente em decorrência da degradação das florestas e do meio ambiente como um todo, na década de 30 o assunto já estava na lista de interesses de um menino de 15 anos.

Neto de Heinrich Hoffmann – naquele período proprietário de 1,2 mil hectares de terras localizadas na margem direita do rio Itajaí-Mirim, em Brusque -, Willy Hoffmann se distinguia das crianças de sua idade.

À época, as prioridades eram estudar e ajudar a família. Ele, entretanto, incumbiu-se de outra tarefa: dar fim à exploração de madeira na terra do avô. Graças à persistência do menino e também, 70 anos mais tarde, graças à perseverança de seu genro, Wilson Moreli, o espaço foi preservado e tornou-se uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Hoje chamada de RPPN Chácara Edith, uma homenagem à dona Edith, esposa de Willy Hoffmann. Antes, a área era conhecida como Fazenda Hoffmann no tempo de Willy – a nomenclatura era em alusão ao sobrenome da família.

Depois de alguns parcelamentos de terra, dos 1,2 mil hectares, a fazenda reduziu-se a 509. Desses, 415,79 foram transformados em RPPN – o número equivale a mais de 750 campos de futebol.

Quando a fazenda ainda tinha 1,2 mil hectares era de propriedade de Pedro Werner. Naquele tempo, Werner possuía a maioria das terras da margem direita do rio. Aos poucos, ele começou a vender os espaços. Parte dos terrenos foi adquirida pelo imigrante alemão Heinrich Hoffmann. Confeiteiro, Hoffmann comprou as terras logo após desembarcar no Brasil, poucos anos depois do início da colonização alemã.

Segundo o escritor Saulo Adami, no livro “RPPN Chácara Edith”, de 2002, Hoffmann comprou a área que abrangia desde o atual estádio Augusto Bauer, no centro de Brusque, até a rua Primeiro de Maio, em direção ao bairro Limeira.

No livro, Adami conta que o avô de Willy não chegou a exercer a profissão de confeiteiro no Brasil. Aqui, ele se dedicou apenas à lavoura. Assim como o avô, o pai do menino – que tinha o mesmo nome de Heinrich – também explorou a Fazenda Hoffmann como área agrícola, quando herdou as terras. Lá, plantou cana-de-açúcar, milho e mandioca e também construiu uma serraria e um alambique.

Quando Willy completou 15 anos, seu pai cedeu parte das terras ao tio, que permitiu a entrada de vizinhos para a derrubada de árvores e a comercialização de lenha. De acordo com o relato no livro, o menino ficou indignado observando a situação e insistiu para que o pai desse fim à exploração de madeira.

Na década de 30, o pai atendeu ao pedido do filho e encerrou as atividades, permitindo, assim, que a mata se recuperasse. Filha de Willy, Ligia Hoffmann Moreli, de 69 anos, lembra que o pai, já falecido, era um amante da natureza e dos animais.

“Meu pai sempre gostou, desde jovem. Ele criava vários animais aqui. Tinha um criadouro e uma ilha com macacos, também tinha criação de jacutinga. Eu vinha todos os dias com ele quando eu era pequena para tirar leite das vacas e também cortar o pasto”, conta.


Prefeito quis desapropriar área para criar ligação entre bairros

A exploração de madeira não foi o único problema enfrentado pela família para preservar a floresta. Antes de ser transformada em RPPN, a Chácara Edith quase reduziu-se em um espaço para ligações entre bairros. O marido de Ligia e um dos responsáveis atuais por manter o espaço, Wilson Moreli, de 77 anos, lembra que, em 2001, o prefeito Ciro Roza – que recém havia assumido a administração municipal – elaborou um decreto desapropriando toda a área com o intuito de criar ruas de comunicação com os bairros.

Seu Wilson Moreli, de 77 anos, é um dos proprietários da RPPN; ele é marido da filha de Willy Hoffmann / Foto: Juliana Eichwald
Seu Wilson Moreli, de 77 anos, é um dos proprietários da RPPN; ele é marido da filha de Willy Hoffmann / Foto: Juliana Eichwald

“No primeiro dia que ele assumiu, já havia funcionários da prefeitura aqui fazendo medições. Ficamos meio zonzos com aquela situação porque não estávamos esperando. Então a gente começou a ir atrás de informações para ver o que poderia fazer para impedir isso”, afirma.

O primeiro órgão procurado pela família foi o Instituto de Pesquisas Ambientais da Universidade Regional de Blumenau (Furb). A partir do contato, professores do instituto se deslocaram ao local para vistoriar e desenvolver um levantamento, que foi enviado a juízes. Ao mesmo tempo, o grupo também buscou os procuradores da república em Ribeirão Preto, São Paulo, e em Florianópolis. Foram eles os responsáveis por indicar a transformação da área em RPPN.

“Eles indicaram o que fazer para impedir a bobagem que o prefeito estava tentando fazer. Eu lutei com o prefeito durante oito anos na justiça. A gente ganhou aqui aí ele recorreu para o estado e ficou correndo lá até conseguirmos o veredito de que ele não poderia passar a rua aqui”, lembra Moreli.

Dinheiro em segundo plano

Em menos de quatro meses após entrar com o pedido junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a família conseguiu transformar a Fazenda Hoffmann na RPPN Chácara Edith. A exigência, na época, era apresentar a história do espaço e as condições de preservação da mata.

Com advogados e engenheiros florestais, a família desembolsou R$ 300 mil em todos os processos. Cada centavo, ressalta Moreli, valeu a pena em nome do sogro e também em nome da preservação do espaço.

“Na época, as pessoas compraram todas as terras próximas e por meio de imobiliárias vieram ver se a gente também queria vender, mas nós não vendemos”, diz.

Assim como o marido, Ligia também afirma que cada esforço empenhado para transformar em RPPN e cada “não” dito a possíveis compradores valeram a pena. Para ela, a Chácara Edith é um legado não apenas para os próprios netos como também para a cidade inteira e até para o país.

“Temos muito orgulho do que fizemos. Meu pai também teve muito orgulho. Se tivéssemos vendido e feito um condomínio, meu pai não ia se conformar. Também foi um gasto grande, mas que valeu a pena. Isso aqui é a nossa vida. Eu não trocaria por nada, nem por dinheiro algum. Isso aqui é para as futuras gerações”.

Manutenção

Antes de virar RPPN, a Fazenda Hoffmann foi repassada por Willy aos três filhos, duas mulheres e um homem. Moreli conta que ele e a esposa compraram a parte do irmão de Ligia e, até hoje, o espaço é dividido entre ela e a irmã.

Para administrar melhor o local, e como a irmã de Ligia reside em Ribeirão Preto (SP), o casal resolveu se mudar para a fazenda. Em 1999, eles já haviam construído uma casa na chácara. Anos depois, dois filhos do casal também construíram e, hoje, há três residências no local.
Mensalmente, a família gasta cerca de R$ 12 mil com a manutenção da RPPN. Embora sejam desenvolvidos projetos escolares e científicos, o espaço não é aberto à visitação.


Santa Catarina tem cerca de 300 RPPNs

As Reservas Particulares do Patrimônio,,Natural (RPPNs) são áreas que têm a mesma importância de unidades de conservação públicas, porém são de responsabilidade de particulares. Atualmente, Santa Catarina conta com cerca de 300 RPPNs.

O biólogo da Fundação do Meio Ambiente (Fatma), Alair de Souza, explica que a importância de transformar uma área em unidade de conservação está relacionada a conservar o local e a contribuir para que todos os sistemas e as áreas vizinhas sejam preservadas para futuras gerações.

“Aqui em Santa Catarina tem potencial para ter mais do que as 300 RPPNs. As pessoas têm um pouco de preconceito com unidade de conservação. Acham que vão ter problema e que vão perder dinheiro. Quem transforma em RPPN tem um lado altruísta, porque é uma forma de doar o próprio patrimônio para o coletivo”, argumenta.

Como criar

Na Fatma, atualmente, há cerca de 10 processos em andamento para transformar áreas em RPPNs. Souza explica que, para que a mudança se concretize, é necessário ter uma área legalizada com matrícula e levantamento topográfico do espaço. Após apurada a documentação, a efetivação pode demorar seis meses e até mais de um ano.


RPPN reconhecida

A RPPN Chácara Edith conquistou dois reconhecimentos ao longo dos anos, um a nível estadual e outro a nível federal. O primeiro deles, antes mesmo de se tornar unidade de conservação, em 1982: Troféu Fritz Muller, concedido pela Fatma em virtude do esforço em defesa do meio ambiente. O outro, em 2006. Naquele ano, a RPPN foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.


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