Localizada no coração de Brusque e único Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica de Santa Catarina, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Chácara Edith será tema de cinco reportagens especiais do Município Dia a Dia. Cada uma delas tratará de pontos específicos do local. A matéria de hoje, que inaugura a série, aborda a história da RPPN.
Enquanto as professoras acomodam os alunos nas cadeiras restantes, os estudantes que já estão sentados vasculham cada canto da sala com o olhar curioso e atento de quem pretende absorver os detalhes que ali expõem parte do que está por vir. São 8h20 de uma quarta-feira e a animação dos pequenos é típica de uma sexta-feira à tardinha, véspera de fim de semana.
O motivo da algazarra é o contato iminente com a natureza, sobretudo com as espécies animais que ali residem. Os alunos, que têm entre quatro e cinco anos e estudam no pré da escola Nova Brasília, em Brusque, preparavam-se para realizar uma trilha ecológica por um trecho da RPPN Chácara Edith.
Assim como eles, outros cerca de 2,5 mil estudantes, por ano, frequentam o espaço para conhecê-lo e também para aprender sobre a importância de preservá-lo. Atualmente, dois projetos relacionados à educação ambiental são desenvolvidos na RPPN em parceria com a Prefeitura de Brusque.
Um deles, que foi o pioneiro e existe desde 2013, é o Trilhas da Chácara Edith. A bióloga do local, Gisele Buch, define o projeto como “carro-chefe”. É a partir das atividades realizadas por meio dele que a maioria dos 2,5 mil estudantes visitam a RPPN.
O projeto é apenas para os alunos do sexto ano. Para eles, há divisão em duas partes: inicia no primeiro semestre com palestras e atividades voltadas à flora da chácara, em que são analisadas as espécies de plantas e árvores, além de catalogadas algumas folhas de gêneros típicos da região.
No segundo semestre, por outro lado, fala-se sobre a fauna. Os alunos conhecem desde as espécies que residem na RPPN até espécies que existem em outras partes do país. Na mesma visita, eles também elaboram pegadas de gesso de alguns animais da chácara. A oficina, explica a bióloga, serve para auxiliar os estudantes a identificar os rastros das espécies.
Para alunos das demais séries, como os do pré da escola Nova Brasília, o projeto Trilhas da Chácara Edith se restringe apenas a um turno e conta com palestra e trilha ecológica. Responsável pelas palestras, Gisele dá o pontapé inicial à turma de quarta-feira por volta das 8h25.
Por cerca de 40 minutos, ela desfila – em linguagem própria para crianças de quatro e cinco anos – por temas como floresta, animais, árvores e preservação. De cinco em cinco minutos, pelo menos um braço levanta e coloca o dedo indicador em riste para questionar a bióloga ou acrescentar algum relato pessoal sobre o tópico em questão.
Por exemplo, quando o tema anfíbios entra na pauta e são expostas no projetor multimídia fotos de sapos, rãs e pererecas, uma das crianças levanta o braço e conta à bióloga e à turma: “um dia minha mãe me disse que uma perereca deu filhotes no armário do quarto dela”.
Prontamente e ciente da absorção das informações por parte da turma, Gisele responde: “deve ser verdade, até porque as pererecas conseguem subir nas paredes. Mas o mais importante é que a gente não machuque elas, porque elas não fazem mal algum”.
A ênfase na proteção dos animais é comum ao longo de toda a palestra. Gisele tenta formar, por meio de sua fala, crianças conscientes sobre a importância da preservação. Embora os alunos da Nova Brasília tenham quatro e cinco anos, sejam inquietos e, por vezes, aparentemente indiferentes às informações, a monitora da sala, Diana Petermann, de 28 anos, assegura que eles absorvem até mesmo os detalhes das falas da bióloga.
“Mesmo que as crianças estejam agitadas, elas captam tudo e aprendem com bastante facilidade. Pode ter certeza que depois que elas saírem daqui [RPPN Chácara Edith] elas vão repassar o que aprenderam para os pais e para as demais pessoas que elas têm contato”, diz.
Para a monitora, a atividade dentro da Chácara Edith é fundamental para o aprendizado das crianças. Como elas fazem uma trilha ecológica e ficam muito próximas à natureza, argumenta Diana, a importância de preservar o meio ambiente fica em grande evidência.
“Eu acho importante que as escolas tragam as crianças até aqui. Nós conversamos na escola sobre os animais e as plantas, mas trazê-los auxilia ainda mais no aprendizado”, diz. “É fundamental que as crianças respeitem o meio ambiente. Eu, sinceramente, temo pelo nosso futuro. Mas se essa geração se conscientizar, será mais fácil de ajudar o planeta”, completa a monitora.
O contato entre os alunos e a natureza proporcionado pela Chácara Edith também é destacado pelos professores Cladimir Comassetto, da escola João Hassmann, bairro Guarani, e Maurício Soares Halaiko, da Escola Poço Fundo, bairro Poço Fundo. Ambos os docentes acompanharam os estudantes em visitas realizadas neste ano por meio do projeto Trilhas da Chácara Edith.
“A RPPN proporciona a eles maior interação com a natureza, também proporciona conhecimento da flora e da fauna da região. E isso é fundamental para a educação ambiental. Com essas informações eles conseguem perceber como é importante preservar a natureza e como funciona uma RPPN”, explica o professor Comassetto. “É uma forma de conscientizar os alunos. Até porque um dos ribeirões que passa dentro da chácara vem lá do bairro da escola e a bióloga disse que às vezes vem lixo oriundo do bairro. Isso mostra pra eles que não pode, por exemplo, poluir os ribeirões”, acrescenta o professor Halaiko.
Vontade partilhada
Grande responsável pela parceria entre a chácara e a prefeitura, a diretora de Ensino Fundamental/Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Secretaria de Educação de Brusque, Kelle Cristina Leite Henschel, exala orgulho quando relembra o início da trajetória dos projetos. Foi ela quem capitaneou o primeiro desenvolvido no local.
“Depois de fazer algumas visitas na RPPN, conversei com o senhor Moreli [Wilson Moreli, proprietário] e juntos partilhamos a vontade de realizar um trabalho em parceria, uma vez que a reserva é um ambiente de estudos e pesquisas. Estudei, pesquisei e formulei o projeto com a temática de imersão na natureza”, lembra.
Kelle define a Chácara Edith como um “ambiente único na cidade”, em especial, pelo tamanho e por estar localizada praticamente no coração de Brusque. Por isso, ela valoriza as experiências vividas pelos estudantes.
“É um tesouro que influencia diretamente no clima da nossa cidade, rico em biodiversidade, proporciona aos alunos uma experiência riquíssima de contato com a natureza. Os alunos conseguem identificar os sons da floresta, conhecer para que serve uma RPPN e até mesmo sentir a diferença de temperatura quando adentram a trilha, que pode variar em até 8 graus. Além de aprender sobre a importância da preservação”, destaca.
Formação de pequenos militares conscientes
Com a rigidez típica de quartéis do exército, o Cabo Luiz Antonio Batista, responsável pela parte de educação ambiental do segundo pelotão da Polícia Militar Ambiental com sede em Blumenau, disciplina cerca de 30 alunos semanalmente na RPPN Chácara Edith por meio do projeto Protetor Ambiental.
Durante o projeto, que tem duração de um semestre, os alunos aprendem sobre ecologia, gestão de recursos hídricos, legislação, gestão de flora e fauna, além de princípios militares como o histórico da Polícia Militar. Além das aulas regulares, realizadas na chácara, os estudantes também realizam saídas de campo fora do município. O projeto é o terceiro desenvolvido na RPPN e o segundo que continua em ação.
“A ideia é formar multiplicadores. Queremos que eles repassem as informações que recebem tanto para o grupo da escola como para a comunidade no bairro e, principalmente, junto dos familiares”, explica o cabo Luiz Antonio.
Voltado para alunos de 12 a 14 anos que estudam no 7º e no 8º anos, o Protetor Ambiental formará no segundo semestre a terceira turma desde o início das atividades, em 2015. Neste ano, 10 dos cerca de 30 alunos que estão no projeto são da escola Ayres Gevaerd, bairro Volta Grande. Para a coordenadora da escola, Claudia Mara Dias Rodrigues, os estudantes se transformaram nos meses em que compareceram à chácara.
“Houve uma transformação bem acentuada. A gente acabou colocando no projeto alunos que tinham problemas de comportamento. E lá eles foram muito elogiados. Eles ficam orgulhosos de vestir a roupa [traje típico de militares] e de irem lá. Na RPPN, eles aprendem a preservar e também a valorizar e respeitar a natureza”, avalia.
A aproximação entre o aluno e natureza, na opinião da diretora da escola Theodoro Becker, Maria Vanete Pieper, é um dos aspectos principais do projeto. Frequentando a RPPN, afirma a diretora, os cerca de 10 alunos do seu colégio aprendem a respeitar o meio ambiente.
“As crianças gostam de natureza. Mas hoje em dia elas não têm mais a mesma possibilidade de estarem tão próximas e esse projeto proporciona momentos de vivência. Na RPPN, eles têm a aprendizagem efetiva de como lidar com a natureza e percebem como ela é frágil e como o homem esquece que depende dela pra viver”, afirma a diretora.
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2. Cerca de 2,5 mil estudantes visitam a reserva anualmente para participar de projetos ambientais
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