Interrompo a série que comecei na semana passada, sobre os pecados capitais, para falar do oposto: um raro exemplo de virtude. É que, há 9 dias, perdemos nossa querida amiga, a Professora Clara Maria Furtado, uma perda muito difícil de acreditar e de aceitar.
Clara enfrentou, desde o seu nascimento, inúmeras limitações. Ao que consta, só conseguiu andar aos três anos de idade e teve que lidar ainda com muitas outras dificuldades para se tornar a gigante que tivemos o privilégio de conhecer. E fez isso de tal modo, que nós é que, frequentemente, nos reconhecíamos pequenos e frágeis diante dela.
O ser humano não nasce pronto, mas com um conjunto de possibilidades, que devem ser “trabalhadas” para que se desenvolvam. Sempre será atraente ir pelo caminho mais cômodo, enterrar os talentos, inventar mil desculpas e se apequenar. Quem conheceu a Professora Clara Maria Furtado pode atestar o quanto ela trabalhou para lapidar seus talentos e transformar suas dificuldades em novas possibilidades.
Desde cedo, Clara tomou a decisão de não se acovardar, de fazer-se reconhecida pela sua grandeza. Tal grandeza, dada em gérmen pelo Criador, ela soube, com a colaboração de sua bela família, desenvolver e aprimorar. Quem se forja numa labuta desse tipo não se abate por qualquer coisa. Por isso sempre pudemos dispor do seu ânimo e de sua graça, e muito raramente a ouvíamos reclamar de alguma coisa, a não ser das mazelas da Educação e da universidade, contra as quais muitas vezes lutamos juntos. Sua personalidade e seu adestramento para o combate a tornaram um tanto teimosa. No entanto, sua honestidade intelectual nunca a fez arredia a críticas. Divergimos muitas vezes, especialmente em questões políticas, mas a Clara aprendeu que ser “crítica” não era apenas defender de unhas e dentes uma ideologia, mas estar aberta também a criticar seus próprios posicionamentos e respeitar outros pontos de vista.
Dizem que nunca podemos medir a influência de um professor, pois o que ele produz na alma de seus alunos se espalha através das gerações. Só por isso, a eternidade da lembrança de nossa grande amiga já estaria garantida. Sua vida de educadora repercute no trabalho e na vida de tantos que tiveram o privilégio de tê-la como professora, e também na vida dos seus muitos amigos, nos quais ela deixou, igualmente, uma marca indelével.
Clara era um tanto arredia às manifestações religiosas, mas acreditava nas realidades espirituais. Certamente foi mais religiosa que muitos de nós, pois encarnou como ninguém as palavras do Mestre: “Não é aquele que diz ‘Senhor, Senhor’ que entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade do Pai”. Descanse em paz, dileta amiga e valente guerreira!

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José Francisco dos Santos
Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.