João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Colônia Brusque, ano 1880: Torre Babel

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Colônia Brusque, ano 1880: Torre Babel

João José Leal

Em 1880, o padre Arcângelo Ganarini publicou em Trento, na Itália, um livreto intitulado “Notícias de Brusque e Nova Trento”, uma espécie de reportagem sobre a realidade que teria observado, quando de sua permanência nestas bandas tropicais. Reportando-se à nossa Colônia, o padre-repórter afirmou que, poucos anos antes da sua chegada, aqui prevalecia “um reino de miséria”. Essa situação de atraso e pobreza, no entanto, era coisa do passado, pois documentos oficiais dizem que em 1865, o núcleo colonial já apresentava um “progresso positivo”.

Assim, quando Ganarini aqui chegou, encontrou “uma povoação constituída de casas de estilo ‘tudesco’ cobertas de telhas, com alguns graciosos palacetes de dois andares”, segundo suas próprias palavras. Além disso, a comunidade construíra “uma assaz cara, ampla e bela igreja, benzida a 21 de junho de 1879, dedicada a São Luiz Gonzaga”. Menciona também a existência de “duas escolas públicas, agência do correio, tiro ao alvo, um pequeno teatro, três fábricas de cerveja, padarias, açougue, alfaiataria e todos os mais artesãos necessários à vida social”. Tudo resultado da cultura de ordem e trabalho dos tedescos, conforme escreve ele.

Quanto aos italianos aqui chegados a partir de 1875, fugindo “às misérias da pátria”, muitos deles não tinham recebido os seus lotes na Colônia Príncipe Dom Pedro e se encontravam ociosos, acampados nas proximidades de Brusque. Viviam da ajuda financeira governamental, que representava 100 mil florins (cem contos de réis) mensais. Segundo ele, “quase todo esse dinheiro era derramado em Brusque e nas tascas de antigos colonos, que tinham alguma coisa para vender.”

Então, com pinceladas ácidas, irônicas e de reprovação moral, Ganarini descreve a vida colonial brusquense, dizendo que tinham surgido “bodegas e casas comerciais quase que por encanto”. Na sua opinião, boa parte dos imigrantes italianos, alfaiates, sapateiros, operários, carpinteiros, barbeiros e outros artesãos ociosos e dedicados “à arte de nada fazer”, haviam transformado Brusque numa “Torre de Babel, onde os menos providos sentiam-se alegres de ter gastado o dinheiro que hoje choram”.

Aquela crescente e perniciosa ociosidade, escreveu ele, representava um perigo moral para os filhos dos demais colonos, que “suspiravam pelo momento de entrar em suas terras”. Como se nota, imigrantes que nada faziam esbanjaram boa parte do dinheiro recebido do governo imperial (uma espécie de bolsa família da época), nas bodegas e tascas para sustentar o comércio de Brusque. No caso, a ociosidade de uns contribuiu, claro que com dinheiro do governo, para a riqueza de outros.

E como a história se repete, hoje, muitos brasileiros gastam a renda do Bolsa Família em apostas esportivas online, para encher os bolsos dos milionários donos das tais de bets da ilusão e da enganação.

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