Por quase 14 anos, a Usati – usina de processamento de cana de açucar – representou uma fatia importante da economia do município de Tijucas. Isto porque, até 1958, São João Batista era um distrito tijuquense, de extrema importância por ser o local onde a usina estava instalada.

O distrito de São João Batista era dividido em parte alta e baixa, que tinham relevância bem diferente para a economia de Tijucas.

“A parte alta era onde tinha a igreja, alguns comércios, enquanto a parte baixa não tinha quase nada, a não ser a Usati e algumas casas. Mas, por ter a usina, era o local que rendia mais financeiramente para a cidade”, explica a historiadora Raquel Mazera.

Por ser a grande empregadora da região, a usina tinha uma grande força não só econômica, mas também política. E neste cenário, um dos fundadores da usina, Benjamin Duarte, e os filhos dele, foram decisivos para o processo de emancipação.

Existiam vários engenhos de açúcar em São João Batista antes da instalação da Usati, e Benjamin Duarte da Silva comprava muito o produto desses pequenos produtores para comercializar, antes de construir a usina junto com um grupo de pessoas. Um dos seus filhos, Sinésio, era vereador de Tijucas, enquanto Willian era estudante de direito na capital.

Foi Willian quem começou a campanha pela emancipação. Ele participou de programa de rádio na extinta rádio “Diário da Manhã” e escreveu textos nos dois únicos jornais da capital, “O Estado” e “Gazeta”, onde tinha uma coluna de política, expondo as razões e apresentando os argumentos jurídicos para tentar sensibilizar o poder público da necessidade da emancipação de São João Batista, em 1957. O principal argumento de Willian era o crescimento econômico do distrito, ocasionado, justamente, pela Usati.

Diante dessa campanha iniciada na capital, a população batistense se mobilizou através de abaixo-assinados. A comunidade se empolgou com a possibilidade de novos tempos.

“Sem telefone, celular, televisão, computadores, o único meio de comunicação com Florianópolis era o ônibus pinga-pinga. BR-101, nem pensar! Imagine as dificuldades para se comunicar com o povo a fim de se realizar a campanha emancipacionista”, lembra Willian.

Enquanto isso, outros líderes batistenses marcaram presença em Florianópolis para incentivar o desejo da emancipação. Um deles era o vereador e filho de Benjamin, Sinésio Duarte.

A maioria da Câmara de Vereadores de Tijucas, porém, era contra à emancipação de São João Batista em sua totalidade. Mesmo o prefeito da época, que era batistense, se posicionou contrário. A rivalidade entre batistenses e tijuquenses naquela época era grande, aquecida pelas disputas esportivas.

“Eles queriam emancipar só a cidade alta, para que a baixa continuasse pertencendo a Tijucas, já que era onde tinha a Usati e rendia bastante dinheiro para o município. Por isso, continuou uma briga política”, lembra Raquel.

E foi o que fizeram. A Câmara de Tijucas autorizou a criação do município, mas sem a cidade baixa, onde estava a Usati, inviabilizando São João Batista economicamente.

Sem conquistar a maioria na Câmara de Tijucas, o movimento pela emancipação teria que apelar para a Assembleia Legislativa (Alesc). Esse panorama, porém, mudou em um encontro inesperado, quando o então governador Jorge Lacerda procurou Duarte, na época um estudante de 20 anos, em uma praça em Florianópolis.

“Um dia, aqui na praça XV, o governador me procurou, na frente do Ponto Chic. Ele me perguntou: ‘Você que é o Willian Duarte, estudante de direito?’ Eu disse que sim. A gente não se conhecia. Mas ele disse que admirava minha coragem, que acompanhava a minha movimentação política e me convidou para tomar um café, no palácio do governador. Ele marcou para o outro dia às 10h. Fui muito bem recebido”, lembra.

Duarte se sentiu muito prestigiado pelo convite do governador. Lacerda, que morreu pouco tempo depois, vítima de um acidente de avião, disse que concordava com suas ideias de reforma administrativa para Santa Catarina. O então estudante lembra das palavras do governador. “Pode contar comigo”.

Ele ligou para o ex-governador Irineu Bornhausen e marcou uma reunião. Willian saiu de Florianópolis, foi até Tijucas e buscou seu irmão, Sinésio, e José Marcelino Franco, chefe do diretório da UDN local. Juntos, foram até Cabeçudas, na residência de Bornhausen.

“Ele disse que vinha me acompanhando, que tinha recebido a ligação do governador. Ele disse para abandonar o projeto da Câmara de Vereadores de Tijucas, porque ia mandar um projeto de reforma administrativa de todo o estado, que ia contemplar São João Batista e outros municípios”, lembra.

No desenvolvimento da conversa, porém, Bornhausen propôs um acordo. Em troca da criação de município de São João Batista, a família Duarte, que era do PSD, tinha que apoiar Bornhausen, da UDN, na sua candidatura ao senado.

“Ele me pediu para que me acompanhasse na campanha política, no palanque, para falar. Eu disse que não tinha problema, mas que ele tinha que mandar o projeto para a Assembleia antes das eleições. E não deu outra, ele criou mesmo”.

Em 21 de junho de 1958, a Alesc aprovou a emancipação de São João Batista, incluindo cidade alta e baixa, como queriam as lideranças batistentes e contrariando Tijucas, que teimava em não perder a área onde estava a Usati.


Você está lendo: Com grande força econômica, Usati foi peça chave na emancipação de São João Batista


Leia também:

– Introdução: Memórias do açúcar
– O auge e a derrocada: como a Usati moldou a economia e a sociedade de São João Batista
– Fim da Usati levou São João Batista a se transformar em força do setor calçadista
– Trabalho duro, mas recompensado: ex-funcionários lembram do tempos de usina