A plantação de cana de açúcar era a principal atividade econômica do colono do Vale do Rio Tijucas no primeiro terço do século XX. Apesar da demora de 18 meses até o primeiro corte, o plantio não exigia um cuidado intenso, permitindo condições de trabalhar em outras culturas ao mesmo tempo.
Além disso, o preço pago pelas usinas era fixado por uma autoridade federal, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), estabelecido em 1941 junto ao sistema de cotas diferenciadas para usinas e engenhos, com uma série de regulamentações para proteger o fornecedor de cana-de-açúcar para as usinas. As exigências do IAA dificultavam o comércio pelos produtores individuais, a não ser que houvesse uma usina que comprasse a produção desses colonos. Neste contexto, a Usati surgiu em São João Batista.
A Usati foi instalada em 1944, cinco anos após um decreto lei federal que determinava que, nos estados em que a produção de açúcar fosse inferior a 100 mil sacas por ano, novas usinas poderiam ser instaladas, com uma cota de produção de 50 mil sacas anuais.
Valério Gomes, junto a outros empresários locais, foi o responsável por instalar a usina, inicialmente chamada Francisca Galloti. As atividades foram iniciadas em 1946, com produção de 6 mil sacas de 50 kg de açúcar cristal. A instalação da Usati significou o desaparecimento de engenhos artesanais e o surgimento de uma potência estadual.
Antes de se tornar um império, a Usati passou por várias crises na primeira metade de sua história, causadas pela concorrência com o açúcar nordestino, os períodos entre-safra, desastres naturais e quebra de maquinário. Nesta época, a usina comercializava seu produto para o mercado interno e os fornecedores eram produtores locais.
“A Usati trabalhava com matéria-prima da região e produzia açúcar cristal, tudo para o mercado interno. A cana era fornecida por agricultores de Nova Trento, Canelinha, Tijucas, Major Gercino e até alguns de Biguaçu chegaram a fornecer para gente. Chegamos a ter 3 mil fornecedores, a região em si dependia muito da Usati”, lembra Augustinho Clemes, ex-gerente administrativo da usina.
Mesmo com as adversidades, em 1956 a Usati adquiriu a usina Adelaide, de Canelinha, então a segunda maior agroindústria açucareira do estado. Em termos nacionais, a economia aumentou as exportações entre 1968 e 1975, e o açúcar foi o principal protagonista desta abertura econômica brasileira.
As mudanças no mercado internacional levaram o governo federal a tomar iniciativas para a modernização da agroindústria. A pulverização da produção era vista como o grande problema para a ineficiência industrial e para a falta de competitividade brasileira no mercado internacional.
O fim da década de 60 e início de 70 foi propício para que o governo brasileiro colocasse em prática programas para melhorar a qualidade da matéria-prima e aumentar a competitividade. Nesta época, um incentivo foi dado para fusão e incorporação de unidades produtivas.
Outro programa governamental na época foi o Proálcool, que estimulou o desenvolvimento tecnológico além do aumento da produção. Este foi mais um incentivo federal para a expansão da oferta de matéria-prima, ampliação das usinas e destilarias já em funcionamento e também instalação de novas unidades produtoras.
“Muito jovem, sempre ouvia muito sobre isso. Na época, o governo federal, com o Proálcool, financiava muito a Usati, com compra de maquinário, mas também o consumidor, que comprava carro a álcool por causa desse subsídio”, diz o atual prefeito de São João Batista, Daniel Netto Cândido.
Em 1971, a Usati adquiriu a Companhia Açucareira, de Biguaçu, e a Usina São Pedro, de Gaspar, constituindo o Grupo Usati. A partir deste momento, o fornecimento de matéria-prima dos produtores locais se tornou insuficiente. Nos anos seguintes, o grupo se lançou no mercado de terras para expandir suas unidades produtivas e passou a processar o açúcar demerara vindo de São Paulo, o que acabou com o período de ociosidade entre-safra.
“Nessa época, surgiu a Refinadora Catarinense, que passou a ter o açúcar refinado granulado, diferente do moído que tínhamos aqui no mercado interno. Na época, o IAA, era o intermediário das relações: nos fornecia matéria-prima, que era o açúcar demerara, a gente refinava e vendia para o próprio instituto. Vendíamos o produto acabado para o IAA. Eles eram o exportador, éramos o intermediário da exportação, mas passamos a exportar praticamente tudo”, explica Clemes.
Depois de quase quatro anos de pesquisa e análise de mercado, a Usati promoveu uma fusão com a Refinadora Catarinense, se adaptando aos programas governamentais e otimizando a produção.
“Tem muita gente que fala que a Usati enriqueceu com esse programa do governo. Só que era o seguinte, a Usati soube aproveitar, não ganhou nada de mão beijada. Ela se colocou à frente de outros usineiros que também poderiam ter entrado no programa”, reforça Clemes.
Com a consolidação da Usati, o grupo cresceu. Em 1977, a Portobello foi fundada, fruto do capital acumulado pela usina. A indústria cerâmica surgiu para atingir uma nova demanda. Com a urbanização acelerada nas maiores cidades catarinenses, o grupo Usati-Portobello aproveitou a oportunidade do mercado e se tornou menos dependente da produção açucareira.A Usati foi o maior império econômico da história do município. No auge, na década de 1980, a empresa empregava quase 800 pessoas em São João Batista. Em acordo com o Porto de Itajaí, a usina chegou a exportar 20 mil toneladas de açúcar por ano, que rendiam mais de 12 milhões de dólares para o estado.
No início da década de 1990, porém, o setor açucareiro brasileiro passou por uma drástica desestruturação. Toda a aparelhagem governamental montada nas décadas anteriores foi desregulamentada pelo presidente Fernando Collor. Uma de suas primeiras ações foi extinguir o IAA e abolir o sistema de cotas do açúcar.
“Quando o Collor assumiu, uma das primeiras coisas que ele fez foi acabar com uma série de coisas que tinha. Com isso, ficou inviável a empresa trabalhar, ela perdeu o mercado interno e não tinha mais o IAA para a exportação. Poderia exportar direto, mas talvez não fosse tão vantajoso como trabalhar da maneira que trabalhava até aquele momento”, explica Clemes.
Assim, em 1991, a Usati encerrou as atividades em São João Batista e, no ano seguinte, em Ilhota. Ainda nessa época, porém, grande parte da população batistense era de alguma maneira ligada à usina. A empresa tinha restaurante na cidade, ambulatório médico, time de futebol. Prezava pela assistência social do município. “O dia que fechou, em 1991, todo mundo pensou: ‘O que vai ser de São João Batista”, diz Clemes. O fechamento da usina, porém, foi uma oportunidade para que jovens empreendedores alavancassem o desenvolvimento econômico do município.
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