Conheça o neto de Carlos Renaux que viveu em Brusque após lutar na Segunda Guerra e ter sido capturado pelos russos
Com uma perna amputada, ele buscou ajuda de um médico alemão que lutou na Primeira Guerra e morava em Florianópolis
Com uma perna amputada, ele buscou ajuda de um médico alemão que lutou na Primeira Guerra e morava em Florianópolis
O alemão Egon Gommersbach, neto do cônsul Carlos Renaux, viveu por um período em Brusque. Ele lutou em Stalingrado (atual Volgogrado) pela Wehrmacht — as Forças Armadas da Alemanha — durante a Segunda Guerra Mundial.
Capturado pelos russos, Egon — nascido em 3 de março de 1921 — foi libertado ao final da Segunda Guerra, em 1945. Dois anos depois, em dezembro de 1947, embarcou rumo ao Brasil e estabeleceu-se em Brusque, trazendo consigo as marcas do conflito: uma perna amputada e a outra permanentemente imobilizada.
Ele chegou ao Brasil em fevereiro de 1948. O navio era brasileiro, pois o país enviava embarcações para repatriar brasileiros e seus descendentes após o fim da Segunda Guerra Mundial. A viagem durou pouco mais de um mês.
Segundo Rolf Dieter Bückmann, bisneto de Carlos Renaux que conheceu Egon pessoalmente, ao chegar no Brasil, o alemão tentou recuperar o movimento da perna imobilizada com um médico chamado Gotsmann, de Florianópolis, “que fez parte do grupo do punhal nazista”. A tentativa, porém, foi um fracasso.
A relação entre a Wehrmacht — nome dado às forças armadas regulares da Alemanha entre 1935 e 1945 — e o Partido Nazista, que liderou o país durante esse período, tem sido amplamente discutida por historiadores.
Com a chegada dos nazistas ao poder, iniciou-se um esforço sistemático para submeter todas as instituições do Estado ao controle do regime, incluindo o Exército.
Tradicionalmente autônoma e com forte identidade própria, a estrutura militar alemã viu sua independência ser progressivamente enfraquecida, até tornar-se instrumento direto dos objetivos nazistas.
No pós-guerra, muitos ex-integrantes do regime tentaram desvincular a Wehrmacht dos crimes cometidos sob o Terceiro Reich, negando ou minimizando sua participação nas atrocidades da Segunda Guerra Mundial, incluindo o Holocausto. Essa tentativa de reabilitação ficou conhecida como o “mito da Wehrmacht limpa”.
Informações obtidas pela reportagem junto a pessoas que conheceram a família de Egon indicam que, por ser um homem de poucas palavras e bastante reservado, não era possível afirmar que ele demonstrava simpatia por ideais nazistas.
No entanto, se esse tipo de postura fosse confirmado, é possível dizer que enão surpreenderia quem o conhecia, já que, por ter crescido na Alemanha daquela época, Egon teria vivenciado a cultura imposta pelo regime.
“O que posso dizer é que o cônsul, avô de Egon, não quis se envolver nessas questões de guerra. Ele não tinha restrições aos judeus, ou racismo em geral. Porém, também não via com bons olhos o Brasil metido na guerra. Ele de fato se achava brasileiro, tanto que era cônsul. Obviamente, via a guerra de forma negativa”, complementou Rolf.
Membro de uma das famílias mais tradicionais e influentes de Brusque na época, Egon é filho de Selma Renaux, filha mais nova do cônsul Carlos Renaux, e de Albert, um alemão.
Após a guerra, ele veio para o Brasil e se encantou pela brusquense Brunhilde Müller, moradora da Rua das Carreiras (atual Hercílio Luz), logo após se estabelecer na cidade.
Eles se casaram no Brasil e, pouco tempo depois, mudaram-se para a Alemanha, onde tiveram três filhos. Entre eles estava Christine, que costumava passar férias na casa que pertenceu a Carlos Renaux, em Brusque.
“Tenho uma foto, de finais dos anos 1960, que mostra ele, a esposa e a Christine. Quando ele veio para Brusque, passou a morar com a mãe, Selma (filha do cônsul) na Vila Gucki, o palacete que pertenceu a Carlos Renaux”, relata Rolf.
Gerd, irmão mais novo de Egon que também nasceu na Alemanha, casou-se com uma descendente de italianos do Rio Grande do Sul. Na Alemanha, estudou engenharia mecânica e administrou um empreendimento da família paterna, mas, após sua falência, voltou ao Brasil para trabalhar na Companhia Hering, em Blumenau.
Gerd, por ter sido uma criança na época, nunca lutou na guerra e era conhecido pelo seu carisma e inteligência. “Era grande amigo de Hans Prayon, um dos dirigentes da Hering”, lembra Rolf.
Gerd nasceu no dia 5 de dezembro de 1932 e morreu no dia 2 de janeiro de 2024, aos 92 anos. A esposa e os três filhos, que nasceram na Alemanha, estão vivos.
Selma Renaux, mencionada por Rolf, foi casada com Albert Gommersbach, com quem teve dois filhos: Egon e Gerd. Albert foi um industrial alemão, proprietário de uma fábrica têxtil em Mönchen-Gladbach, cidade próxima a Colônia, na Alemanha.
O casamento dele com Selma foi em Arnhem, cidade em que Carlos Renaux morava na Holanda (1917-1922). “Depois da guerra, ela voltou para o Brasil sem o marido, já que ele era considerado simpatizante do regime e não era bem-vindo em ‘terras aliadas’, obviamente”, disse um conhecido da família.
Após um período no Brasil, Selma chegou a retornar à Europa. Nascida em 1898, faleceu em 1988, e seus restos mortais estão sepultados na Igreja Luterana do Centro de Brusque.
Sobre Albert, restam poucas informações além do falecimento, cuja data não foi possível determinar. Também não foi possível afirmar que ele tenha lutado na Primeira Guerra Mundial.
Segundo relatos da pesquisadora e bisneta do cônsul, Maria Luiza Renaux (já falecida), Selma e o marido, Albert, passaram por diversas reviravoltas: separaram-se, casaram-se novamente, moraram por um período em Nova York, retornaram à Alemanha e acabaram se separando outra vez.
De acordo com Maria Luiza, durante a Segunda Guerra Mundial, Egon foi enviado ao front em Stalingrado, e Selma teria ‘salvado a vida dele’ após uma das pernas, amputada, gangrenar (necrosar) na neve.
“Não sabemos se ele era uma pessoa reclusa por personalidade ou por causa do que viveu na guerra. A verdade é que não tinha muitos amigos”, complementou um conhecido da família, que preferiu não se identificar.
Após a guerra, Selma voltou ao Brasil com os dois filhos, um cachorro e uma governanta. Eles vieram acompanhados das famílias Prayon, de Blumenau (com exceção do pai, oficial alemão), e Pastor, de Brusque.
Esperaram por cerca de três meses no porto de Hamburgo até conseguirem embarcar rumo ao Brasil, chegando em fevereiro de 1948.
“Neste ponto, Selma se fazia acompanhar por sua governanta na Europa, Frida, que a seguia por toda parte em Brusque — sobretudo nos cafés. Era quando Selma entrava na cozinha com uma bacia trazida de casa e dizia que haviam passado pela guerra e precisavam se recuperar, levando bolos e gostosuras em geral para casa”, escreveu Maria Luiza.
“Sei é que Egon morreu na Alemanha, mas não sei a data. Frequentei e morei um curto período na casa dele em Mönchengladbach. Os filhos são vivos e moram por lá”, complementou Rolf.
O cirurgião plástico Richard Gottsmann, médico que atendeu Egon no Brasil, nasceu na Alemanha em 1887. Após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914–1918), emigrou para o Brasil e passou a residir em Florianópolis, atendendo a um convite do médico Fritz Gofferjé.
De acordo com informações extraídas de livros do autor brusquense João Carlos Mosimann, Richard foi perseguido e chegou a ser preso durante a ditadura de Getúlio Vargas (1937–1945), nas dependências onde hoje funciona a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Em Florianópolis, onde um condomínio leva seu nome, também era conhecido como Ricardo — versão aportuguesada de Richard.
Durante a Primeira Guerra, atuou como cirurgião plástico na Alemanha, tanto no front quanto no Hospital de Nuremberg. O trabalho era essencial para reparar rostos e membros de soldados feridos em combate, experiência que trouxe consigo ao Brasil.
Em 1928, realizou diversas cirurgias no piloto francês Henri Delaunay, que sofreu um grave acidente na Armação da Piedade e ficou hospitalizado por meses no Hospital de Caridade de Florianópolis. Ele foi o médico responsável por tentar recuperar o movimento da perna de Egon, mas, nesse caso, o procedimento não obteve sucesso.
Na era da disco music, grupo de amigos abriu a Kaputz Discotheque na década de 70: