João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas de consultório: velho advogado

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas de consultório: velho advogado

João José Leal

Na sala de uma moderna clínica ortopédica, uma das pacientes com o pé engessado perguntou ao homem sentado em sua frente, se ele era advogado.

— O senhor é o Dr. Fischer, não é? Logo me lembrei que, certa vez, já faz mais de 20 anos, o senhor advogou para a minha sogra, que tinha uma ação contra o INSS. Levou anos. No final, ela recebeu uma bolada de benefícios atrasados. Até morrer, ela sempre falou no seu nome, dizendo que foi um bom advogado, muito gentil e atencioso. Não cansava de falar bem da sua pessoa. O senhor ainda trabalha?

— Não advogo mais. Fiquei velho, doente do coração. Resolvi escutar o conselho da minha mulher e me aposentei para descansar. Faz mais de 10 anos que deixei o escritório com o meu filho e não entrei mais no fórum da comarca.

— Mas, o que aconteceu com o senhor, perguntou a mulher, apontando para o braço esquerdo do velho advogado, enfaixado e suspenso numa tala preta, dessas com moderno fecho de velcro.

— Pura imprudência. Estou aposentado e, em vez de sossegar, achei que deveria cuidar do quintal da minha casa, na rua Azambuja. Fui cortar um galho de árvore com um facão, errei o golpe e acabei cortando o pulso da mão esquerda. Foi um corte profundo, sangrou muito e causou um ferimento tão grave que acabei sendo levado ao hospital. Oito pontos para fechar o corte. Quase perdi a mão. Como você pode ver, a mão e o antebraço ainda estão inchados e pretos. Estou preocupado. Na minha idade, a gente já vive doente e qualquer ferimento pode complicar tudo.

— Já faz um mês e ainda continuo vindo ao ortopedista. Só nesta semana é que começou a melhorar um pouco. Além disso, tenho insuficiência renal e é preciso me cuidar para não ter que entrar na hemodiálise. Aí, então, ficaria condenado à penitência semanal de enfrentar aquele aparelho ligado ao corpo para filtrar o sangue. Dizem que cada sessão dura quase quatro horas. Prefiro morrer.

— Sempre gostei da minha profissão, de atender os clientes e de estudar os casos para ingressar com uma ação. Mas, sempre detestei as monótonas e demoradas audiências, para ouvir testemunhas que quase sempre não sabiam de nada ou não falavam a verdade. Imagina, se eu tiver que ficar tanto tempo imobilizado para fazer hemodiálise. Deve ser um tormento.

— É mesmo. O senhor precisa se cuidar.

— Claro que sim. Acho que agora aprendi a lição. Quem passou a vida dentro de um escritório ou do fórum, não deve se meter a jardineiro, muito menos a lenhador, como me disse o vizinho, que me acudiu no acidente. Agora, já prometi à minha mulher que as árvores podem cair em cima da casa, que não mexo uma palha.

— Cheguei à conclusão de que cada um na sua profissão, cada macaco no seu galho, cada aposentado na sua poltrona, diante de uma tela da TV, do computador ou do celular, esse aparelhinho cheio de magias e sempre nas nossas mãos.

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