Continuo usando máscara no meu trabalho. Além de me proteger, também estou diminuindo o risco de contaminar algum paciente pela possibilidade de eu ser um portador assintomático do coronavírus.

Considero que, ao centenário axioma hipocrático sobre a profissão médica, nos dizeres “curar quando possível, aliviar quando necessário e consolar sempre”, podemos adicionar o “causar dano nunca”. Ao menos intencionalmente ou por negligência, imprudência ou imperícia.

Por isso, considero prudente continuar atendendo meus pacientes usando máscara.
Como consequência disso, muitos pacientes me interrogam: a pandemia não acabou?
Não sou epidemiologista e não tenho a autoridade e conhecimentos para responder tal pergunta, aparentemente simples, mas podemos recorrer a dados e a opiniões de especialistas para poder dar luz ao assunto.

Que se tenha conhecimento, nenhum país tem determinado oficialmente o fim da pandemia, muito menos os organismos internacionais de saúde como a OMS (Organização Mundial da Saúde) ou a OPAS (Organização Panamericana da Saúde).

Sabemos que o número de novos casos tem diminuído globalmente, embora tenha regiões onde continuam aparecendo “ondas” de novos casos. Sabemos também que o número de casos graves e de óbitos tem diminuído de forma considerável.

É consenso que se não houvesse a rápida resposta da ciência e o aparecimento das vacinas o panorama atual seria completamente diferente com taxas de morbidade e mortalidade muito superiores.

Aqui no Brasil somente no ano de 2023 já tivemos mais de 820 mil casos novos e mais de 5,8 mil óbitos por Covid-19.

Devemos lembrar que os números reais devem ser maiores porque há pouca testagem e muitos casos com poucos sintomas não são diagnosticados.

Somente na semana epidemiológica do 5 ao 11 de março tivemos 60.450 casos novos e 328 mortes pela Covid-19 no Brasil.

É verdade que esses números são bem inferiores aos dos anos 2021 e 2022 e talvez por causa disso estamos dessensibilizados ou corajosos para enfrentar aquele inimigo oculto.

Realmente aqueles que cumpriram o esquema vacinal completo estão muito mais protegidos contra formas graves da doença do que aqueles que não se vacinaram.
O epidemiologista Pedro Hallal acreditava que a pandemia acabaria no fim de 2022, desde que a maioria dos países conseguissem vacinar suas populações.

Infelizmente tem muitos países da África e Ásia que ainda não conseguiram vacinar 10% da sua população. São países que, além de precisar de doações de vacinas, necessitam também de ajuda na logística e na organização da aplicação das mesmas, tamanha a falta de estrutura básica em saúde dos mesmos.

Existem pelo menos dois medicamentos biológicos com eficácia contra a Covid-19. Eles diminuem muito a possibilidade de doença grave e morte principalmente quando aplicados na fase inicial da doença. O grande problema para seu uso mais amplo é seu altíssimo custo.

Já aconteceu com muitas pandemias em que a doença não desaparece e se integra á lista de doenças infecciosas que acometem à população, às vezes com surtos sazonais (no inverno, por exemplo).

Ainda criança vivenciei uma epidemia de malária no meu país, Equador. Após controlado o surto epidêmico, a doença ficou até hoje acometendo a população, principalmente em algumas regiões. São mais de 50 anos de malária endêmica, desde então.

A epidemiologista Mellanie Fontes-Dutra acredita que não devemos estar muito confortáveis ao conviver com uma situação de endemia. Ela lembra que a malária, que é endêmica em regiões da América do Sul, África e Ásia, matou em 2020 mais de 600 mil pessoas.

Apesar do avanço que significa sair da pandemia, conviver numa situação de endemia tampouco significa um retorno ao comportamento habitual pré-pandemia.
Se a pandemia não estiver controlada globalmente vai existir sempre o risco do aparecimento de novas variantes que podem provocar novos surtos em várias regiões do mundo.

No Brasil, cerca de 70% das pessoas tomaram ao menos duas doses, sendo altamente recomendável que recebam também a nova vacina bivalente que vem sendo aplicada pelo Ministério da Saúde.

Esta vacina nova tem a vantagem de proteger também contra a variante Omicrôn, que é a que circula de forma predominante atualmente.

Mesmo que a pandemia tenha ensinado ao grande público muitas coisas sobre esses inimigos microscópicos, como são os vírus, fungos e bactérias, podemos constatar que nosso cérebro já deletou a maior parte dessas informações e, por isso, continuamos a comer com apetite aquela fatia do bolo que foi acrescido de milhares de microorganismos quando o aniversariante assoprou e apagou as velas. Bom apetite!