Nasci numa época em que as assim chamadas “doenças da primeira infância” eram muito frequentes, a maioria da nossa geração sofreu quase todas elas, sarampo, rubéola, caxumba, coqueluche e até a varíola, atualmente considerada extinta. 

Nas famílias que tinham várias crianças, cada vez que uma destas doenças fazia seu aparecimento a casa virava uma enfermaria e a apreensão tomava conta dos assustados pais.

Para nossa sorte nos anos 60 e 70 a temível poliomielite (popular pólio) já estava parcialmente controlada pelas campanhas de vacinação, usando os dois tipos de vacina que persistem até hoje, a Salk e a Sabin.

Embora conseguimos escapar da pólio, as gerações anteriores sofreram muito com ela, além da mortalidade, a pólio com frequência provocava sérias sequelas neurológicas e todos nós conhecíamos mais de uma pessoa com discapacidade devido à pólio. 

O caso de paraplegia por poliomielite mais conhecido no século XX foi o do presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, o homem que desde sua cadeira de rodas foi o principal estrategista para que os países aliados conseguissem derrotar as tropas alemãs de Hitler.

Talvez por causa desses “pecados da memória” (bloqueio, transitoriedade) hoje em dia assistimos com perplexidade um ressurgimento de grupos contrários à vacinação. Embora os negativistas da ciência tenham aparecido na época da pandemia, o discurso antivacina está prejudicando não somente a vacinação contra a Covid-19 e sim todo o programa nacional de imunizações do Brasil, um dos melhores e mais bem sucedidos programas de vacinação do mundo.

As taxas de cobertura de vacinação para poliomielite que superaram os 95%, hoje em dia não atingem 65%. Com esses níveis baixos de cobertura e casos de poliomielite sendo reportados mundo afora há a possibilidade de que esse vírus volte a circular entre nós e prejudique principalmente a população infantil. 

A Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e Multivacinação começou no dia 9 de agosto e vai até o 9 de setembro, todos os que tem crianças com vacinas pendentes devem fazer o esforço de comparecer, as vacinas somente funcionam como tratamento coletivo.

Podemos atribuir também à desinformação o fato que poucas crianças nas faixas de 3 a 5 anos estão recebendo as vacinas contra a Covid-19, muitos pais estão assustados com a informação falsa de efeitos colaterais graves destas vacinas.

O efeito colateral que mais preocupa é a miocardite que tem sido reportada tanto em adultos quanto com crianças quando submetidos a vacinas com a tecnologia do mRNA (Pfizer e Moderna), e em menor escala com vacinas como da Astrazeneca.

A miocardite é uma inflamação do músculo do coração, pode ter múltiplas causas, uma das causas mais conhecidas é de origem viral, diversos vírus podem provocar miocardite, agora sabemos que o SarsCov-2 também provoca miocardite.

Um reporte do CDC (Center for Control Disease) norte-americano mostra que a possibilidade de uma criança de 2 a 11 anos de idade sofrer um quadro de miocardite é quase 3 vezes maior entre as que tiveram Covid-19 que entre as que não tiveram a doença.

Um estudo australiano mostra que 2 de cada 100.000 vacinados (vacina mRNA) tiveram miocardite, sendo que a miocardite pós vacina tem um quadro clínico mais leve e todos os pacientes receberam alta em menos de quatro dias.

A incidência de miocardite devido à Covid-19 é de 4 a 40 vezes superior à incidência de miocardite após a vacinação, segundo relata um estudo da Universidade de Oxford.

Infelizmente a pandemia de Covid-19 não acabou, tem diminuído a incidência de casos graves e mortes principalmente por causa de que a grande maioria das pessoas tiveram o bom senso de se vacinar. 

Há que lembrar que os vacinados que não tomaram as doses de reforço preconizadas estão aumentando suas chances de ter uma forma mais severa de Covid-19. 

No ano de 2022 o Brasil já teve mais casos de Covid-19 do que no ano de 2020 e de 2021.

Devemos lembrar que a complicação mais severa da Covid-19 em crianças não é a miocardite e sim a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, se não tratada rapidamente pode levar ao óbito.

Desde o começo da pandemia morreram 2 crianças menores de 5 anos de idade por dia devido ao Covid-19. Nos dois primeiros anos da pandemia morreram 1439 crianças menores de 5 anos de idade. 

São números nada desprezíveis para considerar que a vacinação de crianças é importante e necessária.

Os negacionistas da ciência já esqueceram as mortes e sequelas severas que doenças como a varíola, sarampo, poliomielite provocavam. A pólio não raramente provocava quadros de tetraplegia com paralisia dos músculos da respiração, a única possibilidade de sobreviver era ter acesso a um dos primeiros aparelhos que servia como ventilador mecânico, o chamado “pulmão de aço”, um tubo de aço que era tão assustador quanto escasso. É bem conhecido o caso do americano Paul Alexander, que viveu 70 anos dentro de um pulmão de aço.

Até a primeira metade do século XX uma de cada cinco crianças morria de alguma doença infecciosa antes de completar cinco anos. O número de famílias que tinham que lidar com o trauma de perder uma criança era imenso. Será que queremos voltar para aquelas épocas de sofrimento e morte quando a ciência já tem dado a solução para esses problemas?