Durante minha juventude a única dependência química significativa como para ser considerada um problema de saúde pública era o alcoolismo, nessa época o consumo de maconha apenas começava a conquistar seus primeiros adeptos entre os jovens.
Muitas coisas mudaram ao longo das últimas quatro décadas com o aparecimento em sequência de novas drogas lícitas e ilícitas, hoje em dia dezenas delas se encontram à disposição das pessoas e na maioria dos países do mundo o uso abusivo de drogas tem se transformado em um grande problema de saúde pública.
O relatório mundial sobre o uso de drogas de 2022 publicado pelas Nações Unidas reporta que mais de 296 milhões de pessoas fizeram uso de drogas, um crescimento de 23% em relação à década anterior.
No Brasil não é diferente o crescimento do consumo de drogas lícitas e ilícitas.
Estudo da FioCruz publicado em 2019 mostra que ao redor de 4,9 milhões de brasileiros fizeram uso de drogas ilícitas no ano anterior.
A droga ilícita mais consumida é a maconha seguida da cocaína, este estudo não leva em consideração o crack porque foi um levantamento a nível domiciliar e é conhecido que a grande maioria de usuários de crack vivem marginalizados em situação de rua.
Este mesmo estudo demonstra uma queda no consumo de tabaco embora registre um aumento do uso de cigarros eletrônicos e narguilés. Ao redor de 13,6% dos brasileiros usam cigarro industrializado (20,8 milhões de pessoas).
Os serviços médicos públicos e privados recebem cada vez mais pacientes usuários de cocaína querendo tratar sua dependência química.
O uso abusivo de cocaína leva rapidamente à perda das responsabilidades do usuário, seja no trabalho, na escola ou em casa, quer dizer uma desintegração da própria vida além do desespero e do sofrimento de toda a família.
É notória uma lacuna de serviços médicos para transtornos associados ao uso de droga, se calcula que em 2021 apenas uma de cada cinco pessoas no mundo receberam atenção para transtornos provocados pelo uso de drogas no mundo, no Brasil com a atuação dos Caps é provável que a situação seja menos caótica porém não existem dados fidedignos.
Sendo a cocaína a droga que provoca proporcionalmente a maioria dos transtornos que precisam de atendimento ou internação no Brasil, vale a pena conhecer um pouco de seus efeitos no cérebro.
A cocaína bloqueia a nível pré-sináptico (sinapse é a comunicação entre os neurônios) a recaptura de neurotransmissores como a dopamina, noradrenalina e serotonina, isso causa uma grande oferta dos mesmos para os receptores pós-sinápticos.
A grande oferta dessas substâncias causa momentaneamente uma sensação de euforia, grandeza, magnificência, prazer e excitação sexual.
Porém essa atividade exagerada vai destruindo ou queimando os receptores pós-sinápticos o que pode levar a estados paranóicos, sintomas psicóticos e depressões graves muitas vezes com atitudes suicidas.
Além disso, a cocaína atua sobre o hipotálamo provocando anorexia (perda de apetite).
O tratamento ideal para estes pacientes deve ser em internação com controle médico rigoroso e em total abstinência de substâncias psicotóxicas.
Após a alta tem que existir um acompanhamento ambulatorial contínuo por tempo prolongado, a reinserção na sociedade com atividades laborativas ou académicas são parte importante da recuperação.
Recentemente imagens vindas dos Estados Unidos que mostram verdadeiros “zumbis” deambulando por ruas de cidades americanas causaram muito impacto na população. Estados Unidos vive há uma década uma epidemia de drogados pelo Fentanil, um forte opióide sintético muito usado nas terapias intensivas e em oncologia para tratar dores fortes.
Atualmente o uso abusivo de Fentanil provoca ao redor de 300 mortes diárias nesse pais.
No Brasil o uso de fentanil não está disseminado talvez pelo controle que ainda existe sobre sua venda, muito mais preocupante é o uso indiscriminado de psicotrópicos sem acompanhamento médico.
Muitas pessoas se automedicam com benzodiazepínicos sem fazer nenhum tipo de acompanhamento médico.
Nos últimos anos tem aumentado também o uso de medicamentos para dormir (hipnóticos) tipo Zolpidem, muito indicado para casos de insônia transitória não são recomendados para uso contínuo e devem ser utilizados sempre sob prescrição e supervisão médica.
Devemos estar atentos também para a associação existente entre Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e a dependência química. Portadores de TDAH tem maior facilidade para desenvolver dependência química e também outros comportamentos compulsivos como jogos, compras, sexo.
Se calcula que nos Estados Unidos 40% dos portadores de TDAH são usuários de drogas como maconha e cocaína.
Isso não significa que todo portador de TDAH vai se transformar em um dependente químico, mas é importante lembrar que a prevenção, a supervisão constante e a intervenção precoce são fundamentais para evitar que isto aconteça.
Uma grande preocupação atualmente tem sido o aparecimento de um grande número de drogas sintéticas, produzidas em laboratórios clandestinos chegam a preços baixos no mercado consumidor.
Se estima que mais de 90% do fentanil consumido nos Estados Unidos é fabricado ilegalmente.
Mesmo aqui no Brasil já foram desmontados laboratórios produtores de metanfetamina e ecstasy.
Atualmente há uma grande preocupação pelo aparecimento de um tipo de maconha sintética chamada de droga K9 que tem efeitos semelhantes ao crack ao provocar dependência rapidamente e pelo alto grau de lesão cerebral que provoca em pouco tempo de uso.
Embora exista muita preocupação em relação ao uso de drogas como crack e cocaína, não devemos esquecer que o maior impacto em termos de perdas de vida (do usuário e terceiros) é provocado pelo alcoolismo.
A educação escolar sobre o assunto, a supervisão dos pais, o combate permanente ao narcotráfico e a aplicação de penas mais severas aos traficantes são fundamentais para proteger os nossos jovens.