Editorial: A Justiça compensa
A trama da popular série da Netflix “La Casa de Papel” gira em torno do assalto à Casa da Moeda na Espanha. O plano é a invasão da casa para imprimir mais de dois bilhões de euros em 11 dias. A lógica pensada pelo criador da série, Alex Pina, é que os assaltantes criem o seu próprio dinheiro, explorando a síndrome de Robin Hood para deixar a opinião pública ao seu lado.
Longe da ficção, muitas autoridades nossas pensam na mesma linha. Entendem que o dinheiro não é fruto do trabalho e sim uma produção ilimitada de recursos que podem ser utilizados ao seu bel-prazer.
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Uma ala entende que a corrupção e roubo, tal qual na série, é um caminho para se apropriar do recurso público, mas o que está nos holofotes agora são as concessões de “direitos” que beneficiam uma casta poderosa do país.
Uma das mais emblemáticas foi realizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, que em setembro de 2014 decidiu estender o benefício de auxílio-moradia a todos os juízes federais do país. Até o ano passado esta medida já tinha um impacto de aumento de 20 vezes nos gastos do governo federal com auxílio-moradia de magistrados e procuradores.
Como a tese da ilegalidade deste benefício está cada vez mais evidente, se discute agora, sob sigilo, uma solução na Câmara de Conciliação da Advocacia Geral da União. A ideia é apresentar um projeto de lei que incorpore este benefício ao salário dos magistrados.
Esta medida que beneficia esta classe cria mais um rombo fiscal gigante. Além dos recursos que terão que ser destinados para este fim, a mudança vai ter efeitos colaterais perversos.
O primeiro é o precedente para outras categorias que também são abastecidas com penduricalhos nos contracheques reivindiquem oficialmente o benefício, como militares, servidores da Receita Federal e da Polícia Federal, do Itamaraty, etc. O segundo é que este aumento do Judiciário repercute também em outros setores do serviço público, pois são utilizados como referência para o teto de outras categorias.
A Justiça precisa aderir a esta expectativa dos brasileiros que querem um país melhor. Será que o único caminho para agilizar a Justiça é aumentar salários e cargos?
Assim, diferente da série da Netflix, não é um professor que em onze dias rouba o cofre, é um magistrado que numa canetada retira dos cofres públicos bilhões de reais que passam a ser seus por direito, mesmo que tenha sido tramado, tal qual no seriado, sob o manto do sigilo.
Outro fato que vem causando grande polêmica é a aprovação da Assembleia Legislativa de 462 cargos na estrutura do Judiciário catarinense, no fim do mês passado. Esta medida vai gerar um impacto de R$ 64,3 milhões em 2019 e de R$ 66 milhões em 2020. A medida depende apenas da sanção do governador, que promete ser um capítulo a parte.
Especula-se que para evitar o desgaste desta aprovação impopular, o governador e seu sucessor vão viajar e deixar o próprio presidente do Tribunal de Justiça, ocupando interinamente o governo, para dar esta poderosa canetada.
Se por um lado há abundância de recursos para aumentar cargos e salários, do outro se reclama da falta deles para dar celeridade aos processos.
Na semana passada o jornal O Municipio publicou um levantamento dos processos por aqui e chegou ao surpreendente número de quase 50 mil em tramitação em nossa comarca aguardando uma decisão.
É mais que o dobro do que havia em 2011, mostrando um número crescente de litígios sem uma estrutura jurídica que acompanhe este crescimento.
Assim, ao contrário de 10 anos atrás, quando Brusque se destacava por sua velocidade em proferir sentenças que levavam em média um ano e meio a três, hoje pode levar 10,15 ou até 20 anos.
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Sem entrar no mérito da qualidade dos julgamentos, que a cada dia estão mais controversos e imprevisíveis (vide caso do desembargador Rogério Favreto, envolvendo a soltura de Lula), a Justiça precisa aderir a esta expectativa dos brasileiros que querem um país melhor. Será que o único caminho para agilizar a Justiça é aumentar salários e cargos?
Mais do que nunca o Judiciário é o protagonista do momento, e pode pender sua espada tanto para defender seus benefícios e afundar ainda mais o déficit fiscal de nosso país, quanto para decidir se vai querer aperfeiçoar o processo judicial e privilegiar a tão almejada Justiça, afinal, sem ela, não há ordem e sua existência, ao contrário do crime, deve compensar.