Com autorização da Vara Criminal de Brusque, o jornal O Município obteve acesso à íntegra da investigação que culminou na proibição da Múltiplos Serviços e Obras em firmar novos contratos com o poder público, que perdura desde o início do mês passado, embora a empresa esteja autorizada a manter os contratos que já estava tocando.
A empresa é acusada de fraudar o caráter competitivo de nove licitações na então Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), entre 2013 e 2014.
Conforme a denúncia, a empresa “fabricou” propostas das concorrentes, com o conhecimento de seus representantes, para ganhar as licitações.
Conforme o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), os denunciados da investigação sobre fraudes em licitações promovidas pela Múltiplos tiveram conversas e organizaram reuniões secretas “com o objetivo de combinar estratégias que os livrassem da persecução criminal”.
O promotor Daniel Westphal Taylor cita, para embasar essa suspeita, elementos de interceptações telefônicas realizadas durante a investigação criminal, com autorização do poder Judiciário.
Em uma dessas conversas, gravadas no ano passado, o dono da Múltiplos, Everson Clemente, diz ao interlocutor que “é preciso conversar com todo mundo, pois o negócio vai ficar grave”.
Esse interlocutor, conforme confirmado na investigação, era o presidente da Câmara de Vereadores, Jean Pirola (PP). Na conversa interceptada, Pirola afirma a Clemente que “aquela pessoa que tu foste conversar lá na chácara precisa de novo que tu vá lá falar com ele”.
O MP-SC afirma que o fato de Bóca não ter sido citado nominalmente na conversa ocorreu porque eles estavam cientes de que poderiam estar sendo gravados.
Na sequência da ligação, reforça então o presidente da Câmara, que esta pessoa que Clemente encontrou na chácara “precisa falar urgente de novo com Everson”, sendo necessário que Everson “indique um lugar [para o encontro], o qual vai ser repassado a esta pessoa [da chácara]”.
Bóca nega encontros com Everson
O ex-prefeito Bóca Cunha, chamado a prestar depoimento na Promotoria, disse que jamais fez qualquer reunião com Clemente, e que sua relação com ele é de “bom dia e boa tarde”.
Bóca demorou a ser citado pelo MP-SC para testemunhar porque não foi encontrado pelo oficial, sabendo da notificação apenas quando sua esposa a viu na caixa do correio.
Confrontado com a gravação da conversa entre o dono da Múltiplos e o presidente da Câmara, Bóca disse não se lembrar de ter feito qualquer conversa com Everson na sua chácara.
Para o promotor, “isso, dentro das circunstâncias, não é nada crível”.
“José Luiz Cunha apenas não foi denunciado pelo crime de falso testemunho porque não ficou claro se ele era uma mera testemunha, como inicialmente aparentava ser o caso, ou se, ao lado de outros, ele também estava envolvido no esquema”, explica Taylor, na petição inicial da ação.
Notificado para interrogatório, ocasião em que seria questionado sobre este assunto, Clemente exerceu o direito, como investigado, de permanecer em silêncio. Tanto o ex-prefeito como o presidente da Câmara depuseram apenas como testemunhas, e não são alvos desta ação penal.
Que negócio ficaria grave?
Esta foi a pergunta feita pelo promotor a Pirola, em interrogatório durante a investigação.
O presidente da Câmara respondeu não saber do que se tratava.
“Eu estava como presidente da Câmara e líder do governo, foi um pedido do prefeito, que queria conversar com ele [Everson] lá na chácara. Agora, o que eles conversaram não sei o que seria”.
“Isso aí não sei, realmente não faço ideia”, disse Pirola, referindo-se ao “negócio que ia ficar grave”.
Segundo o promotor, está claro na gravação que Everson e Pirola tentavam esconder de quem se estava falando, o que é negado pelo presidente da Câmara.
Na instrução do processo, o teor dessas conversas será novamente abordado, já que tanto o presidente da Câmara quanto o ex-prefeito foram arrolados como testemunhas pela acusação.
Ouça a ligação interceptada pelo Ministério Público
Uma reunião no Angeloni
Também houve registro, pelo Ministério Público, de reuniões secretas entre membros das empresas acusadas de agir em conluio com a Múltiplos para fraudar licitações.
Uma dessas conversas, descritas no processo judicial, é entre Adriana Calixto, funcionária da Solo Reforçado Construções, e Murilo Cecconello, da SetorSul.
Na conversa, ela avisa ao interlocutor que “ele tem uma reunião no Angeloni” com “um amigo”.
Tão logo interceptada esta conversa, uma equipe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que monitorava os investigados, deslocou-se até o supermercado Angeloni de Balneário Camboriú, ocasião em que avistou e fotografou que esta reunião de Cecconello era com André Eduardo Bencz de Camargo, da empresa Britagem Barracão.
Tanto Ceconello quanto Camargo são acusados do mesmo crime: ter supostamente colaborado para que a Múltiplos vencesse licitações na Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR), atual Agência de Desenvolvimento Regional (ADR) – órgão do governo do estado, emprestando a documentação de suas empresas para apresentação de propostas falsificadas.