O nascimento da indústria têxtil foi um reflexo direto do que se passava em Brusque e no país. Para entender o que levou o pequeno município a entrar na cadeia produtiva é preciso conhecer o contexto da época.
A primeira indústria têxtil em solo botuveraense surgiu em 1985. Naquela época, Botuverá era uma cidade essencialmente rural. Dependia da agricultura e da extração de madeira.
No plano nacional, o Brasil vivia momentos turbulentos. Em 1985, assumiu José Sarney, primeiro presidente da República da era democrática, após o fim da ditadura militar. Os índices econômicos iam de mal a pior. O principal deles é que a inflação galopante corroía o salário dos trabalhadores.
Em contrapartida a esse cenário para a população, as empresas se aproveitavam do incentivo que o governo ainda dava às exportações. Em 1985, de acordo com o Banco Central, o Brasil registrou saldo positivo na balança comercial de mais de 12 bilhões de dólares.
“A década de 1980 foi um grande momento para a indústria têxtil, principalmente para as que eram grandes aqui. Muitas delas eram voltadas para a exportação, e o mercado externo absorvia bastante, principalmente cama, mesa e banho. Havia um crescimento contínuo que começou na década de 70 e foi até o início dos anos 90”, analisa o presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem, Malharia e Tinturaria de Brusque, Botuverá e Guabiruba (Sifitec), Marcus Schlösser.
Mão de obra
O crescimento calcado na exportação e no mercado interno fizeram do setor o grande alvo dos trabalhadores. Quando se falava em curso técnico, pensava-se na área têxtil e de vestuário.
“O têxtil era o setor preferido na procura por cursos técnicos de formação. Muitos brusquenses foram para o Cetiqt, no Rio de Janeiro, e voltaram com conhecimentos”, afirma o presidente do Sifitec.
As empresas também investiram valores consideráveis na formação dos funcionários. “O Senai, primeiro aqui e depois fora, e as empresas incentivavam essa formação. As empresas investiram em centros de treinamento internos. Claro que as pessoas que se formaram nem sempre foram absorvidas na própria empresa”, completa Schlösser.
A mão de obra qualificada acabou superando a demanda e isso, na avaliação de Schlösser, contribuiu com a expansão da indústria têxtil para outras cidades, como Botuverá.
Outro fator é que as grandes fábricas estavam com espaço físico limitado. Terceirizar para parceiros mais distantes era uma alternativa interessante.
Nove sócios fundam a Fiação Botuverá
Em meio a esse panorama nacional e regional, Botuverá também vivia sua própria realidade. O setor madeireiro sofreu forte impacto devido às regulamentações ambientais, e a fumicultura também começou a perder força.
Mário Feuzer, trabalhador da Fábrica Renaux por 11 anos, apareceu nesse contexto com a iniciativa de abrir a primeira fiação em Botuverá. A ideia foi apresentada ao então prefeito Ademir Luiz Maestri.
Maestri conta que fez um grande esforço para conseguir viabilizar a abertura da empresa. Geramir Vicentini, o Gica, empregado da fiação, conta que, na época, os botuveraenses tinham a cultura de plantar fumo em qualquer pedaço de terra. Por isso achar um terreno para a empresa foi tarefa difícil.
No fim, a prefeitura comprou da família Fachini o terreno onde hoje está a Fibla, nome popular da Fiação Botuverá. A área foi doada a um grupo de nove empresários reunidos por Feuzer para o primeiro empreendimento.
Os empresários pioneiros, além de Feuzer, foram: Alexandre Dalcegio, Celio Vargas, Dino José Dalcegio, Érico Brogni, Ismar Pedrini, José Fachini, Valdir Paloschi, Sérgio Colombi.
Havia gente do ramo madeireiro, comércio, agricultura e de transportes. Não tinham experiência em uma fiação, mas Feuzer possuía, após anos de Renaux.
Feuzer não tinha ideia, mas a Fiação Botuverá seria o embrião da transformação da cidade. De rural, passou a ser industrial. Próspera, viu sua população crescer exponencialmente.
A sociedade entre os nove empresários durou pouco. Logo, uns foram vendendo suas partes para os outros. Em 1994, Antônio Ogliari, empresário dono da Toalhas Atlântica, comprou a Fibla. A família até hoje é proprietária do Grupo Atlântica, que reúne também a Porto Franco Indústria Têxtil.
A Porto Franco é um capítulo à parte na história do grupo. A primeira Porto Franco surgiu no fim da década de 1990 e produzia cuecas. Segundo Fabrício Ogliari, administrador da Fibla, a família sentiu a necessidade de atuar também nessa área naquela época.
Fez sucesso, mas por pouco tempo. A Porto Franco que existe hoje tem apenas o mesmo nome que a anterior, que fazia cuecas. Até o CNPJ e a Inscrição Estadual mudaram.
Hoje, a Porto Franco atua no segmento de cama, mesa e banho e é a única do ramo no município a exportar.
“De 1985 para cá, a Fiação Botuverá foi pioneira e hoje vemos crescimento enorme do município através da indústria, que trouxe muito emprego. Houve também uma mudança cultural”, avalia Fabrício Ogliari.
Segundo ele, atualmente a Fibla emprega cerca de 100 funcionários e produz aproximadamente 6 milhões de quilos de fio por ano. A empresa já vai para a terceira troca de maquinário da fiação.
Hoje, a Fiação Botuverá é uma prestadora de serviços. Cerca de 50% da sua produção atende o Grupo Atlântica, e o restante é destinado a clientes que contratam o trabalho dela.
Legado da Fibla gerou frutos
Sérgio Colombi, 74 anos atualmente, já tinha sua empresa de contabilidade e havia sido vereador e prefeito antes de entrar como sócio da Fiação Botuverá. Em 1987, ele se retirou e pegou o dinheiro, equivalente a 30 carros Gol zero km da época.
Colombi também era adepto da ideia de que a indústria era o caminho a ser seguido pela cidade. Como prefeito, percebera que a agricultura não daria mais frutos ao município. Por isso, ele resolveu abrir a primeira confecção: a Confebo.
“Não tinha confecção em Botuverá, ninguém sabia costurar com máquina industrial. Com esse dinheiro, comprei 15 máquinas industriais e busquei uma moça em Brusque que entendia dessas máquinas para ensinar as funcionárias”, conta Colombi.
O início foi complicado. Por três meses, as funcionárias ficaram em treinamento, cortando e jogando fora. Eram mulheres sem experiência, na maioria ex-donas de casa. “Depois começamos a confeccionar para a Malharia Regina e Marisul, do Ciro Roza, e fomos tocando”.
“Nós tínhamos que buscar e levar, ninguém trazia. Hoje, as confecções de Brusque procuram as daqui. A logística era diferente naquela época”, lembra Colombi.
A Confebo chegou a ter marca própria na década de 90. A empresa fazia desde a talhação até a peça final. Colombi espalhou representantes pelo Sul do país. Nos tempos mais áureos, eram 45 costureiras empregadas.
As vendas iam bem, os pagamentos, nem tanto. Colombi conta que a inadimplência cresceu a ritmo acelerado. “Em 1998, a inadimplência era muito alta. Diminuímos para dez costureiras. Depois vendemos tudo e indenizamos todos, para não ficarmos com dívidas. Ao parar, somei que havia 90 mil dólares em cheques sem fundo”, diz o empresário.
Embora tenha fechado a empresa, Colombi é orgulhoso da experiência que teve. Ele acredita que contribuiu para a cidade, pois muitas das ex-funcionárias abriram suas próprias confecções posteriormente.
“Hoje, há um grande número de confecções na cidade que se originaram na Confebo. A empresa fechou, mas teve a sua parte positiva”, declara Colombi.
Expansão em Águas Negras
A segunda fiação de Botuverá também teve origem na Fibla. A família Dalcegio era sócia da fábrica e depois foi abrir uma empresa própria. A Fiação Águas Negras foi fundada pelos Dalcegio e pelas tecelagens Rio Branco e Atlântica.
Mário Feuzer também ajudou neste projeto. Ele conta que fez os desenhos para a fábrica, mas não ficou no negócio. O então prefeito Ademir Maestri também participou da negociação do terreno. Ou seja, a Fiação Botuverá estava dando frutos para a cidade.
Os Dalcegio eram donos de uma das maiores madeireiras de Botuverá. Na década de 1980, passaram ao ramo têxtil. A família ainda administra a Fiação Águas Negras, em sociedade com a empresa Sieg, de Brusque.
A construção do galpão começou em 1987, mas a fiação só iniciou as atividades em 1989. “Teve um período para montar galpão e depois ficamos cinco ou seis meses parados”, afirma Ambrósio Dalcegio, atual administrador. Ele está na empresa desde o começo.
O pontapé inicial na Fiação Águas Negras foi difícil, assim como havia sido dois anos antes com a Fibla. Mão de obra não faltava. Com a indústria em ascensão, havia muitos candidatos. Porém, a grande maioria não tinha a menor noção de como operar uma máquina industrial.
“Nós tivemos que ensinar praticamente todos. Só dois vieram de Brusque e sabiam trabalhar. O restante foi ensinado. Na época, a maioria trabalhava na agricultura”, comenta Dalcegio.
Um dos períodos mais complicados para a fábrica foi quando houve as constantes mudanças de moeda e a hiperinflação, do fim da década de 1980 até 1994. Foi um desafio para a empresa, que teve de lutar para não fechar as portas.
Hoje, a fiação tem 62 funcionários e produz mais de 600 mil quilos de fio ao mês. A fábrica presta serviço para outras empresas.
Você está lendo: Embrião da indústria
Veja outros conteúdos do especial:
• Cidade transformada
• Município rural
• Mais de 50% do PIB
• Mário Feuzer: o pai do têxtil
• Os primeiros funcionários
• Setor se renova