Foi um dos assuntos do último final de semana: uma grife brasileira foi criticadíssima, causou muita revolta, ao incluir em sua nova coleção uma estampa que retrata a época da escravidão. Inicialmente, acreditou-se que seria uma reprodução de uma obra de Debret – o que foi corrigido mais tarde. Mas vamos chegar lá.

A estampa, esta aí acima, veio à tona com um post facebookiano de uma candidata a consumidora da marca. Tâmara Isaac conta ter sido ignorada ao entrar na loja – embora as vendedoras, em seguida, tenham dado toda atenção a uma cliente (branca). Em seguida ela prestou atenção à estampa. “Começo a olhar as roupas e me pergunto: confere? É uma estampa de escravas entre palmeiras. É uma escrava com um filho nas costas servindo uma branca? Perguntei à vendedora se aquela estampa tinha alguma razão de ser ou se era só uma estampa racista mesmo. Ela, me dirigindo à palavra pela primeira vez, não soube responder.” O post já tem quase dois mil compartilhamentos e mereceu uma resposta – como quase sempre, insuficiente – da grife. E leva a gente a pensar.

Será que estamos muito sensíveis ou a indignação é legítima? Incluir uma obra de arte de outra época, com seu valor histórico, é racismo? Qual a forma correta de abordar a questão? Ou será que o melhor é que a moda vá procurar inspiração em temas menos dolorosos, menos sensíveis?

Meu primeiro impulso foi de achar que a mera reprodução de uma obra de arte poderia ser vista com um pouco mais de tranquilidade. Não é, afinal das contas, apologia ao racismo.  Em seguida, ao pensar que é bem difícil ter uma noção clara do peso que outras pessoas carregam, concluí ser melhor confiar na reação horrorizada de quem vive esse tipo de preconceito na própria pele, literalmente.

Na dúvida, melhor trocar a polêmica por ações que reforcem avanços e legítimas lutas sociais. Mesmo que não tenha havido intenção de provocar, o mero retrato da escravidão cabe em livros de História e museus, mas não há a menor necessidade de incluí-lo em objetos de consumo “da estação”.

O capítulo mais recente da novela é ainda mais sem noção. A pesquisadora Patrícia Gouvêa, também no Facebook, esclarece que a obra usada como inspiração para a estampa não é de Debret, mas de Johann Moritz Rugendas – e que foi adulterada. Justamente o pedacinho da estampa que causou mais indignação, o que mostra uma escrava servindo uma mulher branca, é, no original, uma litografia de 1835 que mostra duas mulheres, sim… mas ambas negras, “alterando totalmente o significado da cena”.

Pois é. Cada vez mais, viver (e criar) não é coisa para amadores. A estampa já foi retirada das lojas. Mas, é sempre bom lembrar, o trabalho escravo na produção de muitas grandes grifes mundiais, que, vira e mexe, é alvo de denúncias, continua. E essa História talvez nem seja contada.

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Claudia Bia – jornalista