Especialistas avaliam projeto de lei que cria Programa de Internação Involuntária em Brusque

Texto é voltado para dependentes químicos em situação de rua na cidade; profissionais do direito e psicologia analisaram texto

Especialistas avaliam projeto de lei que cria Programa de Internação Involuntária em Brusque

Texto é voltado para dependentes químicos em situação de rua na cidade; profissionais do direito e psicologia analisaram texto

O vereador Deivis da Silva (MDB) apresentou o projeto de lei que propõe a criação do Programa de Internação Involuntária de Dependentes Químicos em Brusque. O programa tem o objetivo de proporcionar tratamento e reinserção social para dependentes químicos que se encontram em situação de moradia de rua.

A pedido do jornal O Município, especialistas avaliaram o projeto de lei. Para o advogado Eder Gonçalves, que é atual Conselheiro Estadual da OAB-SC, a proposta é louvável. Contudo, da forma como foi apresentada, pode gerar questionamentos por prováveis inconstitucionalidades.

“A primeira questão que pode gerar dúvidas é quanto à iniciativa do projeto (Câmara de Vereadores), uma vez que, salvo melhor juízo, a implantação do programa de internação involuntária de dependentes químicos implicará em aumento de despesas para o município. E, sendo assim, a iniciativa de tal projeto de lei somente poderia partir do poder Executivo”, inicia.

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O advogado também salienta o artigo 7 do projeto de lei, que limita o tratamento a pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade social, de ambos os sexos, maiores de 18 anos. “A distinção de pessoas não está prevista na Lei Federal nº 13.840/19, o que pode gerar questionamentos acerca da constitucionalidade, já que o município não pode legislar criando regras não previstas na citada norma federal”, continua.

Eder também ressalta que pode ser questionado o artigo 4 do projeto que determina que “toda internação involuntária deverá ser comunicada ao Ministério Público em 72 horas”. Ele explica que a lei 13.840/19 determina que todas as internações e altas deverão ser informadas, também, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização, por meio de sistema informatizado único.

“Há outros aspectos que podem gerar dúvidas, mas acredito que esses apontados são os mais relevantes para análise e aprovação do citado projeto de lei”, completa.

Violação do princípio da igualdade

O advogado Ricardo Vianna Hoffmann, que também é professor do curso de Direito da Unifebe e presidente da Comissão de Direitos Humanos da instituição, observa que o projeto de lei está alinhado com a legislação nacional. Entretanto, ele aponta algumas ressalvas, principalmente em relação aos direitos humanos e fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

Ricardo se refere a dois artigos do projeto, o 1º e o 7º, este último também citado por Eder. Ambos os trechos focam a aplicação da lei nas pessoas em situação de rua. Assim, ele avalia que o projeto de lei viola o princípio da igualdade, garantido pela Constituição.

“Ao limitar a aplicação da internação involuntária a um grupo específico de pessoas com base em sua condição social – ‘pessoa em situação de rua’ ou ‘de extrema vulnerabilidade’, estabelece um tratamento discriminatório, uma vez que determina um tratamento diferenciado, sem justificativa razoável, violando, dessa forma, o princípio da isonomia”, aponta.

Preconceito e autonomia

Para Ricardo, a construção do projeto destinada a pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade demonstra um “manifesto projeto que perpetua preconceitos e estigmas contra esses grupos”.

Segundo ele, o projeto também agride violentamente o direito à autonomia e ao livre consentimento desses grupos. Ricardo detalha que esses direitos são garantidos, também, pela Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. “Nessa reflexão, destaco que o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos que obrigam o nosso país a garantir o acesso igualitário aos serviços de saúde sem discriminação”, continua.

O advogado orienta que, para garantir a constitucionalidade, é recomendável a mudança dos dois artigos. Assim, o objetivo é assegurar que o tratamento de dependência química, por internação involuntária, seja acessível a todos que precisem, independentemente da condição social ou econômica.

“Pois, senão, todo aquele que quer ter acesso ao tratamento de dependência química ou a internação involuntária, terão que se colocarem ‘em situação de rua’ ou estarem em ‘extrema vulnerabilidade social’. O que convenhamos, é um absurdo legislativo”, finaliza, ao avaliar que o restante do projeto de lei também não traz inovações, sendo que leis existentes já cumprem essas funções.

Leis de saúde mental

A psicóloga Beatriz Fuzeto Ferreira ressalta que as leis sobre saúde mental, que organizam os serviços que oferecem tratamento para pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, também permitem internações involuntárias quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. “Desta forma, uma lei focalizada nas pessoas em situação de rua pode soar como higienista”, afirma

“Historicamente, o Conselho Federal de Psicologia tem atuado em defesa do tratamento humanizado das pessoas com sofrimento psíquico causado pelo abuso de drogas. Não se pode perder de vista que esses cidadãos têm direitos fundamentais à liberdade, a viver em sociedade, bem como ao cuidado e tratamento adequado, sem que precisem abrir mão de sua cidadania”, comenta.

Segundo ela, neste caso, estudos sugerem que tratamentos comunitários, como os oferecidos nos Caps, são mais eficazes. “Acredita-se que Brusque precisa fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial e implantar os serviços já previstos, como, por exemplo, o Consultório na Rua e Caps-III. Este último garante, serviços de atenção contínua, com funcionamento 24 horas, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive Caps AD”, completa.

Beatriz salienta, também, o caminho necessário em relação à adesão da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PSR). Ela destaca um decreto municipal que instituiu o Comitê Intersetorial da PSR, em novembro de 2023. Para a psicóloga, trata-se de um avanço neste tipo de política pública, já que essa comissão traz vários setores sociais, como o SUS, equipes municipais que tratam de educação, trabalho e renda, segurança pública, entre outros.

Internações feitas corretamente

A coordenadora de Saúde Mental de Brusque, Inajá Gonçalves de Araújo, reforça que a internação pode ser útil quando aplicada de maneira correta. Isso, segundo ela, quando alguém está passando por um momento de grande sofrimento mental, como surtos, riscos à própria vida ou à dos outros, ou perda da noção da realidade com alucinações, ou delírios. Ou seja, em situações que podem deixar a pessoa em uma situação de muita vulnerabilidade.

“Nestes casos, a internação pode trazer efeitos positivos ao acesso de tratamento medicamentoso e psicossocial, além de prover ao indivíduo uma visão mais clara sobre sua saúde”, pontua.

Contudo, Inajá alerta que uma internação é feita ineficientemente e errônea quando utilizada da coerção, higienização social ou ser uma alternativa para a ausência de políticas de assistência e saúde.

“As leis sobre internação psiquiátrica no Brasil são bem claras e regem os serviços de saúde existentes a todos os cidadãos brasileiros, independente da condição social. É através desse processo já existente que a saúde atua para fornecer o atendimento adequado para aqueles que precisam. Cabe ao poder legislativo garantir a efetividade das políticas públicas existentes sobre os temas situação de rua e dependência química e, também, trabalhar em conjunto com o Executivo na divulgação dos serviços existentes”, finaliza.

O jornal O Município procurou a presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas (Comad), Jacineide Minela Knihs. Contudo, ela não quis se manifestar antes de discutir o projeto de lei em reunião com os demais conselheiros, que estava marcada para esta terça-feira, 6.


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