Em uma época de extremo conservadorismo, uma mestiça, filha de índio com uma francesa, reinou em Brusque. Francisca dos Anjos de Lima e Silva, a Fanny, conquistou seu espaço, o respeito e a admiração dos brusquenses de uma maneira única.
Fanny largou a vida de luxo que levava ao lado do marido, Eduardo de Lima e Silva Hoerham – sobrinho neto de Duque de Caxias – no posto indígena de Ibirama para viver em Brusque.
A vida de casada já não lhe satisfazia. Fanny prezava por sua liberdade e seu direito de escolha e, assim, deixou para trás o marido e os quatro filhos para construir seu reinado no berço da fiação catarinense.
Os primeiros anos na cidade não foram fáceis. A influência do ex-marido que, inconformado com a separação, a perseguiu, fez a jovem chegar ao município sem nada. Diante da situação, Fanny abriu uma casa de prostituição no bairro Santa Terezinha, nas proximidades de onde hoje está o supermercado Archer.
“Penso que ela poderia ter desenvolvido inúmeras atividades e teria sucesso em todas. O fato de ela abrir uma casa para moças, para mim, é como uma reação ao tratamento que ela recebia do marido. Como um desafio a ele”, avalia o professor Aquiles Duarte de Souza, que mergulhou na vida de Fanny para sua dissertação do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
O ofício escolhido para sobreviver em Brusque tinha tudo para deixá-la à margem da sociedade, porém, com elegância e dignidade, Fanny soube transformar sua casa de moças em um lugar respeitado.
Souza lembra que, durante sua pesquisa, entrevistou diversas pessoas, homens e mulheres, e todos foram unânimes ao lembrar de Fanny como uma mulher respeitada na cidade.
“Era uma casa de prostituição, mas guardava certas restrições. As mulheres encontravam a Fanny na rua e falavam: ‘dona Fanny, meu marido está indo lá e está deixando faltar comida em casa’. Na próxima vez que o sujeito aparecia, ela dizia pra ele ir embora, cuidar da mulher e da família. Todas essas atitudes foram fazendo com que ela conquistasse respeito”.
O estabelecimento de Fanny era um local onde se podia discutir política e onde oposicionistas se encontravam, mas tinham que se respeitar. A música era sempre num volume tolerável, já que ela não queria incomodar a vizinhança.
O professor relata que, nos 1960, era comum quando o filho chegava a uma determinada idade, que o pai o levasse na “Dona Fanny”. Lá, ela não ensinava apenas o aspecto sexual. Muito mais do que isso.
“Ela ensinava que um homem elegante tinha o sapato engraxado, que um homem sabia puxar uma cadeira pra uma mulher sentar. Normalmente, quando aconteciam brigas de casais na cidade, o pessoal comentava: ‘ah, o fulano nunca foi na Fanny’. Diziam isso porque os homens que iam na Fanny sabiam como tratar uma mulher”, diz.
“Ela não era uma prostituta. Era uma pessoa que tinha um viés pedagógico. Pedagogia do relacionamento valorizando a mulher”, completa.
Aos poucos, Fanny conseguiu refazer sua vida. Em seu terreno, construiu três casas: a que ela morava, a que sua filha mais velha, Dalbérgia, veio morar com a família, e a casa das suas moças, que não passavam de quatro, para evitar brigas.
Sempre muito bem vestida e dona de si, Fanny nunca foi tratada com desdém ou de forma preconceituosa. Frequentava lojas e, quase que semanalmente, acompanhada de suas moças, ia à igreja.
“Ninguém se atrevia a dizer uma palavra maldosa a ela. Ela passava com sua bicicleta, tocando a sineta para os conhecidos. No primeiro semáforo de Brusque, em frente à Loja Renaux, os guardas paravam o trânsito para ela passar”.
Fanny faleceu aos 94 anos, em julho de 1994. Até o último dia, manteve a dignidade e o respeito que conquistou logo após sua chegada em Brusque. Até hoje, é lembrada com carinho e admiração por aqueles que a conheceram.
Para o professor, Fanny representa o verdadeiro sentido do empoderamento feminino. “Vejo a Fanny como um modelo de empoderamento. Ela casou com um sujeito rico, nobre, foi mãe de quatro filhos, tinha tudo, mas, ao mesmo tempo, tinha nada. Teve a coragem de largar tudo e viver uma vida completamente diferente, mantendo sua dignidade. A Fanny não pode ser esquecida. Foi uma mulher à frente de seu tempo”.
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