Os porcos não sabem que se
transformarão em salame ou ingrediente para feijoada. Essa ignorância permite
que eles se entreguem, sem reservas, às atividades mais elevadas da sua
natureza: usufruir de suas sensações. Eles possuem o que Aristóteles chamou de
“alma sensitiva”, que lhes permite receber estímulos externos e internos e
reagir a eles, buscando as sensações que causam prazer e evitando as que causam
dor. Na ausência de estímulos dolorosos, sua felicidade é garantida pelos
prazeres da comida e da bebida, pela atividade sexual que garante a reprodução
da espécie, pelo conforto e satisfação que lhes proporcionam seu habitat. Essa
felicidade ingênua é típica dos seres cuja existência se limita ao seu corpo
físico, do qual a capacidade de sentir e reagir é o auge de sua possibilidade.
Não são poucos os humanos que
invejam os porcos, buscando imitar sua noção de felicidade, e essa ideia está
dominando nossa cultura. Na semana passada, fui a uma pizzaria aqui em Brusque
e havia muitos adolescentes no local. No portão de entrada, várias meninas,
aparentando entre 12 e 15 anos de idade, cantavam em coro, em alta voz e
fazendo muita questão de serem ouvidas por quem passasse pela rua, uma “cantiga”
que dizia o que pode e o que não pode no “namoro”, num linguajar que, há algum
tempo, era restrito aos meninos mais destrambelhados, e mereceria um tapa na
boca e um belo castigo. Agora, libertas da opressão de outrora, manifestam
livremente sua “arte”. Não resta dúvida: os padrões humanos estão cada vez mais
se aproximando dos animais.
O pudor preserva nossa
intimidade e é um sinal de que somos humanos. Sua perda é um sintoma grave. Sintoma
de que vivemos no reinado das sensações. Nele há os que se consideram felizes
por usufruí-las livremente, sem regras ou tabus, e os que se consideram
infelizes por terem sido impedidos de viver assim nos tempos da “repressão”.
Estes últimos não conseguem entender que não foram reprimidos, mas preservados.
Os humanos possuem uma parte
superior na alma, que precisa dirigir o mundo das sensações. Quando acontece o
contrário, o resultado não é a felicidade ingênua da vida animal, pois, por
mais que não gostemos disso, somos muito mais que os porcos.
Essa falsa felicidade produz
sensibilidade machucada, estranhamento, decepção, desencanto, violência, além
de todos os vícios que ameaçam nossa civilização. É preciso recuperar nossa
humanidade, perdida nas trevas densas que cobrem a nossa época. Do contrário,
cairemos todos no precipício.