Filosofia e Amizade social (2)
No artigo anterior, vimos como os clássicos filósofos gregos consideram, em suas reflexões, a amizade. Vimos que a amizade para os clássicos gregos estava relacionada a fraternidade. “A Amizade no mundo clássico tem um papel central. É o modelo de todas as relações humanas pessoais familiares políticas e espirituais. Os gregos consideram a amizade como hoje consideramos o amor” (Texto-Base da 2024, nº 08).
Tendo toda essa reflexão filosófica dos clássicos gregos e latinos, os filósofos e pensadores cristãos, tendo presente os valores do Evangelho, Boa Nova do Reino, proposto por Jesus Cristo, aprofundaram a reflexão a respeito da amizade social, Entre todos, e foram muitos, destacamos Santo Tomás de Aquino. Este pensador cristão nos diz que o ser humano é naturalmente amigo e familiar a todo ser humano. O que vale dizer que, por sua natureza, o ser humano tem a capacidade de amar e de ser amado. Por isso é capaz de relacionar-se com os seus semelhantes de maneira diversa dos relacionamentos com outras realidades. Como irmão e irmã.
Levando em conta esta característica humana, Santo Tomás destaca que “a amizade, como uma virtude política, é necessária para o bem viver na sociedade”. Mais ainda, “pois ela é fundamental para o florescimento da sociedade e a felicidade do ser humano que se relaciona com o outro. E, continua sua reflexão, afirmando “que a amizade é compreendida no âmbito da caridade, ou seja, como fruto da amizade com Deus que desdobra na amizade dois seres humanos entre si” (nº 13).
Esta visão da amizade social vai ser a base de todos os relacionamentos das Sociedades e Culturas até o advento da Modernidade, criando um modo de ser e de viver que se convencionou denominar a Idade Média. Já no século XV e mais ainda no século XVI, a visão e a vivência da amizade social sofreram uma transformação que trouxeram, no seu bojo, um novo modo de vida pessoal e sociocultural. Novos valores, gradativamente, foram incorporados na vida das Sociedades e na construção das Culturas.
Com a Renascença e o Humanismo do século XVI, a visão cristã do universo, do ser humano, da natureza, da sociedade… foi, pouco a pouco, sendo substituída por um olhar puramente natural e humano. Mais ainda no século XVII com a valorização da razão e da experiência humanas, gradativamente, o sobrenatural e a fé foram postos entre parêntesis ou substituídos pela Ciência e a Técnica. Desta forma, a partir desse posicionamento filosófico, afirma-se que só é crível o que a razão humana pode apreender e entender ou a Ciência pode provar. Tudo o mais é pura superstição.
Dessa concepção da realidade total, sob esse olhar da Modernidade, a amizade social, também, recebe nova fundamentação, segundo a tendência ideológica professada e vivida. Aquela visão grega clássica e alicerçada na perspectiva cristã foi substituída por outros fundamentos que não são mais a fraternidade, a amizade social, o amor, como elo das relações socioculturais dentro da Sociedade e da Cultura.
Tentando explicar a transformação, tomemos entre muitos pensadores da Modernidade que contribuíram, grandemente, nessa mudança radical nos relacionamentos humanos apenas alguns como amostra. Vários fundamentos foram propostos por esses pensadores da Modernidade. Por exemplo, o empirista Thomas Hobbes (1588-1689) o medo recíproco e afirma que “o ser humano é o lobo do ser humano”. Os materialistas, como L. Feuerbach e socialistas, como Karl Marx põem todas as relações socioculturais regidas pelos conflitos permanentes e pela luta de classes. Tudo passa pelo binômio amigo-inimigo. Não há mais espaço para o diálogo, a fraternidade, a amizade social, o amor.
É uma das trágicas consequências do pensamento moderno que terá suas manifestações nos relacionamentos sociais, bastante recentes ainda.