Dia desses, andando pelo centro de Brusque, tinha que fazer hora, esperando meu namorado que estava no dentista. Resolvi gastar este tempo em meio aos livros e entrei na livraria. Entre as prateleiras, com um exemplar aberto nas mãos, olhos fixos na página, estava o dono do estabelecimento, que compartilha com ele o seu sobrenome. Eu o cumprimentei e ele sussurrou: Ihh, se a patroa me vê lendo, dá bronca! – referindo-se à esposa atrás do balcão.
O dono da livraria ama fotografia e já viajou para muitos lugares em busca dos melhores cenários e ângulos. Algumas fotos estão impressas em tamanho muito grande no andar de cima, outras estão emolduradas. Mas, ele viaja também através dos escritos e comentou uma angústia que partilho: a de ter tantos livros na fila da leitura. Parece que não vai dar tempo nessa vida de ler tudo!
Ali de pé, com a prateleira baixa nos separando, nós dois trocamos impressões e pequenas histórias de autores e enredos. São essas coisas que aproximam as pessoas. Ele me falou de “Sapiens – uma breve história da humanidade” e do recém lançado, do mesmo Yuval Noah Harari, “Homo Deus”. Mais dois pra minha fila.
Até que comentei que havia iniciado a leitura de um romance, livro que recebi de presente de aniversário do meu tio e padrinho, em maio passado e que só agora encarei a saga das mais de 800 páginas. O autor é o alemão Thomas Mann e o nome do livro é Budden…
– Buddenbrooks! Tenho aqui.
E me conduziu a outra prateleira onde estava a edição mais recente do clássico que deu a seu autor o Prêmio Nobel de Literatura.
– Espera um minuto. Vais ter uma surpresa!
Ele se afastou, foi até o escritório e, em menos de um minuto, voltava com uma preciosidade nas mãos, e que só pude ver e tocar por causa do acaso da conversa. Era uma edição de 1942 do livro que estou lendo, com capa de tecido, páginas amareladas e manchadas. Fiquei boquiaberta, passando a mão pelo objeto, me certificando que ele era de verdade. Não sei se me impressionou mais a existência do exemplar (e pensei: é um clássico mesmo, faz 75 anos e ainda é editado) ou a coincidência de ter entrado na livraria, do encontro e de ter falado sobre este livro com quem justamente o tinha há anos, numa versão antiga.
Saí de lá caminhando leve, com esperança nas pessoas e suas histórias, que são as matérias de ofício de pessoas como nós, assim sortudas.
P.S. exclusivo à esposa do dono da livraria: a parte que escrevi que ele lê escondido é ficção, inventei. Ele não lê, não.
Lieza Neves – produtora cultural e escritora